segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Inércia

Dor. Parece ciático. Nimesulida resolve. Quanto tempo, dois, três dias? Será que arnica substitui? Só tem um comprimido de nimesulida e não tem arnica. Amanhã.
Duas semanas, três hospitais, uma ambulância no meio, uma internação, morfina, impedimento para andar, sentar, leseira, insônia. 
Amigos, presenciais, virtuais.
BlackBerry, Twitter, Facebook, Gmail. Conectada. Por vezes bom. Bom também poder desligar. Não deu ansiedade.
Li. Parei.
O mundo continua. A Tunísia se rebelou, o Egito segue o caminho. Discutem o papel da internet nessas rebeliões.
Um por todos, todos por um?
O que um pode fazer? Diz meu filho que nada. Posso sentar aqui e escrever. O clichê: se uma árvore cair na floresta e não houver ninguém a escutar, que diferença faz? 
Todo mundo quer ser diferente. Quer?
Eu quero andar livremente e sem dor. Quero escrever também sem dor por estar sentada. Passo boa parte do dia deitada, ligo a TV. De repente, um canal mostra um programa chamado 'Doenças do sangue'. A imagem é de um menino com as pernas amputadas, até mais ou menos os joelhos, e muito inchadas. Ele sente muitas dores, alguém o está tratando, porque além disso há uma ferida. Quase sinto vergonha da minha dor. Mas nesses dias não posso ignorá-la. Ela é real. Não vou ou não pretendo me refugiar nela para ignorar as dores e sofrimentos alheios e com isso justificar uma eventual inércia ou egocentrismo exacerbados. Mas não sou aquela que se alista. Sou a que fica à distância. Alguma distância é necessária para a preservação. Do quê não sei. Minha alma, talvez. Não, meu coração. Sinto que existe algo no centro do meu peito que dói quando estou magoada. Quero evitar isso. Se possível.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Arrumando gavetas

Arrumar o conteúdo de uma única gaveta cheia de papéis é tarefa comparável aos 12 trabalhos de Hércules. "Jogar fora" equivale quase a cortar fora um pedaço da gente quando se trata de livros e papéis, porque cada um conta uma história e desencadeia memórias que tornam a tarefa se não impossível, muito demorada. É como abrir uma porta de um lugar que não se visitava há muito. Como prática reflexiva, pode ser uma coisa interessante, mas não é nada recomendável como método de organizar uma casa.

Não sou capaz de descartar uma carta escrita por minha melhor amiga, ou um bilhete escrito em um papel reciclado feito por ela mesma. Poderia digitalizá-los? Sem dúvida. Mas não vou fazê-lo, assim como não vou jogar fora todos os meus livros. Pretendo comprar um tablet, especialmente para facilitar minha vida com relação aos livros que tenho de importar, mas nada substitui o prazer de manusear um livro, passear em uma livraria, zapear os títulos, pegar os volumes, ler as capas e esquadrinhar os conteúdos. Já faz tempo que não vou a uma biblioteca, mas elas são imprescindíveis. Comparo-as a templos.

O que eu tenho de aprender a fazer é não guardar mais coisas que deixaram de ter valor para mim, material ou emocional. Por mais bonitinhas que sejam. Meus envelopes e papéis de cartas que colecionava, de que adianta? O mofo tomou conta deles e eu mal escrevo cartas – só uma de minhas amigas ainda resiste ao computador. Além do mais, minha letra se tornou ilegível por falta de prática.

Ruim mesmo é ficar guardando coisas que nos lembram de fatos que simplesmente não deveriam sair de onde estão, que é o passado, para nos assombrar no presente. O que eles representaram acabou. Se é que existiu. Só servem para nos trazer saudade, e às vezes saudade de algo que nunca existiu de verdade. Razão maior para que sejam descartados. Se não foram antes, é porque lembravam algo bom. Hoje, retirados os filtros, resta reconhecer que é o que é, efêmero registro de algo que não é mais. Guardar pra quê?

Clarice: escrever é o mesmo processo do ato de sonhar: vão-se formando imagens, cores, atos, e sobretudo uma atmosfera de sonho que parece u...