quinta-feira, 15 de novembro de 2018

O amor é um lugar eterno



"Esta sociedade pós-moderna em que vivemos transporta em si duas insustentáveis utopias: a primeira, neoliberal, tenta convencer-nos que o mercado, funcionando livremente, tudo resolve; a segunda, tecnológica, insiste na falácia de que o progresso tecnológico é a cura para todos os nossos problemas. É mentira! Nenhuma delas nos conduzirá aos fins que supostamente anuncia.

Somos vítimas deste aparente desenvolvimento. Continuamos mergulhados na luta quotidiana pela sobrevivência sem nos apercebermos da linha divisória entre o Bem e o Mal. E a fragmentação da identidade faz com que o mal se disfarce sob o comportamento exemplar do vizinho ao lado.

Será que o comportamento moral se esgotou? Será que é assim tão difícil perceber que a nossa vida não pode confinar-se a um cardápio de abusos? Quem é que ainda não entendeu que o juízo moral não é uma questão do foro dos usos e costumes 

É incrível a facilidade com que passámos a considerar normal a ausência de responsabilidade moral."

Luís Quintino

Não sei se o amor é um lugar, nem mesmo se é eterno. Provavelmente sim, se fundamentado na verdade, e não em fantasias, expectativas ou enganos. Nem digo que só pode existir com certeza entre pais e filhos, por causa do laço biológico. Há filosofias e religiões que exaltam o amor filial, maternal ou paternal e tentam explicar aversões inexplicáveis, quiçá biológicas. Poderia falar de nossos próprios defeitos, de personalidade ou de incapacidade. De educar, por exemplo. Mas é certo que há casos suficientes em toda parte demonstrando que pais fazem mal a filhos e vice-versa.

Sei, no entanto, que independente de qualquer explicação, há pessoas extraordinárias. Não tenho como saber se nasceram predestinadas ou se se tornaram assim. Prefiro crer que inúmeros fatores contribuem para a formação delas, inclusive a educação e o convívio. 

O personagem principal desse livro, filho do autor, demonstra ter sido um desses seres excepcionais. Alguns até diriam que por essa razão não poderia mesmo ter permanecido muito tempo nesse planeta (de novo, filosofias e religiões). Tenho razões para acreditar que muito contribuíram para esse resultado a educação e o convívio - como poderia ser diferente, diante dos sucessivos testemunhos de pais e amigos? 

Não me baseio em conhecimento privilegiado, mas em fatos igualmente raros. Quantas pessoas perdem as pessoas que amam e cedem ao desespero, ou apenas subsistem ancoradas na memória do que às vezes sequer existiu? 

Não é o caso do autor. Desesperado, irado, saudoso, inconformado... quero imaginar que transitou por todas essas situações. Mas passivo nunca. Foi capaz de canalizar a dor e a saudade para causas nobres, e enquanto isso, pôr no papel seu trajeto, compartilhando mais do que meras palavras. Catarse?

Suponho que sim. Nesse processo, de acordo com o conceito do grego Aristóteles: 


Para Aristóteles, o teatro tinha para o ser humano a capacidade de libertação, pois quando via as paixões representadas, conseguia se libertar delas. Essa purgação ou purificação tinha o nome de catarse, que era provocada no público durante e após a representação de uma tragédia grega. A catarse era o estado de purificação da alma experimentada pela plateia através das diversas emoções transmitidas no drama. (https://www.significados.com.br/catarse/)

Não estamos falando de teatro, óbvio, apenas usando o conceito. Nossa empatia com o autor nos purifica e nos inspira. Admiro profunda e incondicionalmente quem é capaz de sair da letargia provocada pela perda e agir em benefício de outros. 

O texto que copiei do livro parece não se encaixar no que escrevi. Talvez seja inabilidade minha. Talvez seja uma forma de instigar a leitura do livro. Talvez só assim se compreenda a trajetória de pai e filho na busca de uma vida significativa. De sentido, como Viktor Frankl, o neurologista e psiquiatra que sobreviveu ao Holocausto.

Frankl perdeu mãe, irmão e esposa no genocídio comandado por Hitler. Também ele não ficou inerte. Finalizo com uma de suas citações:


"O que realmente importa não é o que esperamos da vida, mas antes o que ela espera de nós. Nós precisamos parar de perguntar sobre o sentido da vida, e ao invés de pensar em nós mesmos como aqueles que questionam sobre a vida - horária e diariamente. Nossa resposta deve consistir, não em monólogos e meditação, mas na ação certa e na conduta correta. A vida ultimamente significa tomar responsabilidade de encontrar a resposta certa para seus problemas e cumprir as tarefas que ela constantemente delega para cada indivíduo."

Clarice: escrever é o mesmo processo do ato de sonhar: vão-se formando imagens, cores, atos, e sobretudo uma atmosfera de sonho que parece u...