sábado, 29 de agosto de 2015

Rio de Janeiro, essa cidade sem igual

9Cristo (2014) composto por 9 painéis de 80x80 cm
Cristo N°7, com a contribuição de JEF AEROSOL (Favela smiles)

O Rio de Janeiro fez aniversário: 450 anos. Oficialmente descoberto pelos portugueses, embora já habitado há séculos (milênios?) pelos chamados índios, que sabe-se lá de onde vieram. Ásia, África... Franceses também estiveram por aqui, e disputaram com os portugueses o pedaço, mas perderam a luta. Descartemos vikings e fenícios como mito. 

Da fundação da cidade ao que ela é hoje, é óbvio, muita coisa mudou. Essa que já foi capital do país e perdeu o posto para uma cidade criada no planalto central, é hoje apenas capital de um estado e Patrimônio Cultural da Humanidade. Analisando direitinho, alguns de nós até chegam a concluir que desde o ano zero os governantes se esmeram em estragar o que o Rio tem de naturalmente bonito. E olha que tem sido muito esforço, porque a UNESCO atribuiu o título à cidade por sua paisagem natural, com a designação "Rio de Janeiro: Paisagem Carioca entre a Montanha e o Mar".

Tem gente que não gosta do Rio. Tem gente que não gosta do carioca. Diz que ele não é simpático como se apregoa e a despeito das pesquisas de empresas de turismo. Cada um com sua opinião, e pesquisa depende de amostragem e do público pesquisado. Para o turista, afinal, tudo é festa. No dia-a-dia a coisa pode ser diferente. Também acho que todo mundo anda muito mal-educado mesmo. Mas concordo que o carioca é simpático. Talvez não tanto quanto o mineiro ou o nordestino, gentes boníssimas. Mas é. Minha opinião.

De qualquer forma, não é de bom-tom criticar aniversariante. E por isso tem um monte de gente declarando seu amor à cidade, e prestando-lhe homenagens. Um desses é o artista-fotógrafo Jean-François Rauzier, que expôs suas obras no Museu Histórico Nacional (http://www.museuhistoriconacional.com.br/), que consistem em fotos manipuladas digitalmente que ele chama de hiperfotos. Nelas se reconhecem a arquitetura e paisagens cariocas icônicas, além de outros elementos que a imaginação do artista sobrepõe, e em alguns casos, até obras de outros artistas, como o street-artist Jef Aerosol.

É muito amor. E é justo.


sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Dora Bruder, ou a Paris dos esquecidos



Memória é uma daquelas coisas que só aparece quando convém. Ao indivíduo, a um grupo ou a um país. A não ser que se trate de demência, uma condição física que o sujeito não pode prever ou evitar.

A gente joga ou tenta jogar pra debaixo do tapete tudo aquilo que nos deixa mal. E em tempos de importância exacerbada da imagem, uma razão a mais para fazermos de tudo para parecermos mais puros que as vestais dos templos romanos.

E aí quando a imagem fica meio craquelada quando os podres aparecem? Digamos, de uma cidade, de um país.

Acho que não resta um lugar no mundo que não tenha um passado pouco glorioso. Resta saber se existe a admissão da memória.

Exemplos muito conhecidos de vergonha compartilhada por muitos países são a “colonização”, a escravidão e o tratamento dispensado aos judeus na Segunda Guerra Mundial.

Há quem negue. Sempre há quem negue. Pois se há quem diga que o homem não foi à lua. Que se trata de fabricação dos EUA. Hmmmm… será? Porque não negar, especialmente se há destruição de provas? O ônus da prova cabe ao acusador…

Entra Dora Bruder, personagem e título do livro de Patrick Modiano, ganhador do prêmio Nobel de literatura em 2014. Difícil assimilar a história enquanto ela se desenrola, de tanto que se parece com um registro documental, um relato da Comissão da Verdade ou do Tortura Nunca Mais. Mas há que se ter paciência para desenrolar o fio da meada, tanto da história real como da fictícia, porque, como o autor diz, talvez eles tenham simplesmente se esquecido que esses registros existiam.

Dora Bruder, como tantas outras adolescentes e mulheres, foi enviada para a prisão de Tourelles (XXe arrondissement de Paris), depois para o campo de Drancy (Seine-St-Denis), para seguir para Auschwitz. Imagine-se seu destino final.

Camp de Drancy (Cité de La Muette) - German Federal Archives - Wikimedia Commons

Estamos falando de Paris, uma das cinco cidades mais visitadas do mundo, com uma história milenar, um povo orgulhoso de sua cultura. E que no entanto, não somente colaborou com o governo nazista, como foi além, assim como muitos outros países europeus (todos?) em sua profunda aversão aos judeus. O governo francês (Marechal Pétain) abriu tantos campos de concentração para receber os presos, que acabaram virando um setor econômico pleno, a ponto de o historiador Maurice Rajsfus escrever que “a rápida abertura de novos campos criava empregos, e a polícia nunca parou de contratar durante esse período”.

Modiano segue os possíveis caminhos percorridos por Dora Bruder. Tento fazer a mesma coisa. A rua onde ela morava fica a apenas 1,5 km de Montmartre, um dos mais conhecidos pontos turísticos de Paris. Mas o que é impossível é imaginar o que ela e outras pessoas na mesma condição viveram.

“Et au millieu de toutes ces lumières et de cette agitation, j’ai peine à croire que je suis dans la même ville que celle où se trouvaient Dora Bruder et ses parents, et aussi mon père quand il avait vingt ans de moins que moi. J’ai l’impression d’être tout seul à faire le lien entre le Paris de ce temps-là et celui d’aujourd-hui, le seul à me souvenir de tous ces détails.”

“E no meio de todas essas luzes e dessa agitação, custo a crer que estou na mesma cidade onde estiveram Dora Bruder e seus pais, e também meu pai quando ele tinha vinte anos a menos que eu. Tenho a impressão de ser o único a fazer a ligação entre a Paris daquele tempo e a de hoje, o único a me lembrar de todos esses detalhes.”

Um dos poucos a se lembrar que esses horrores se passaram nessa que é conhecida como a cidade-luz.

Alguns anos depois de escrever o livro, a atual prefeita de Paris  e o escritor descerraram uma placa em frente a uma escola do 18e com o novo nome da rua: “Promenade Dora Bruder”. Modiano declarou que Dora se tornou um símbolo, que ela representava para a cidade a memória de milhares de crianças e adolescentes que partiram da França para serem assassinados em Auschwitz (cita o livro de Serge Klarsfeld, Memorial [Le mémorial des enfants juifs déportés de France, FFDJF, 1994]). 
Mencionou ainda que a inauguração de um local em seu nome era uma forma de resistir ao desejo dos nazistas, que queriam fazer desaparecer Dora Bruder e aquelas iguais a ela, e apagar até seus nomes. “Creio que é a primeira vez que uma adolescente que era anônima é inscrita para sempre na geografia parisiense”, disse ele (http://www.lemonde.fr/culture/article/2015/06/01/patrick-modiano-dora-bruder-devient-un-symbole_4644883_3246.html#G5e3Imx9CbxoH5kQ.99).

Relembrando Bath















Janeite. Austenmania. Termos ingleses para quem tem fixação em Jane Austen. Parece ser significativo o número. Uma pesquisa no Google 
com preferências filtradas em português, espanhol, inglês e francês gerou mais de 5 milhões de páginas. Como não há hospícios suficientes para tantos loucos, e não tenho as qualidades de Simão Bacamarte (aliás, nosso gênio ímpar, Machado de Assis, pode ser encontrado no similar nacional do Projeto Gutenberg, o site Domínio Público, http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.jsp), não preciso temer o confinamento. Basta-me o refúgio aqui mesmo, neste espaço quase solitário.

Reza a lenda que Jane Austen não gostava de Bath. Talvez porque tenha deixado seu ambiente, quando seu pai faleceu, e passou a enfrentar dificuldades, até finalmente chegar a Chawton. Mas foi lá que ambientou Persuasion, um de seus mais refinados romances, e Northanger Abbey, um dos mais leves.

Para os leitores, e para mim, em especial, que amo história e arquitetura, o maior encanto foi encontrar a cidade praticamente do mesmo jeito. Não tem preço. É como nos transportarmos diretamente do livro para a vida real. Ajudados por um pouco do mito somado aos nossos sonhos e à indústria do turismo, junto com a boa-vontade das pessoas que se empenharam em criar um centro cultural para preservar a memória da escritora. Quanto já não se perdeu em memórias, em história, porque as pessoas não deram valor, ou saquearam aquilo que puderam em prol de interesses de toda sorte? Aconteceu há milhares de anos e continua acontecendo até agora. Patrimônio histórico e cultural não pode ser somente um título. Outro viés. Fiquemos com Jane, por ora.

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

História e histórias

Sempre gostei de História e de histórias. Ler sobre princesas, sereias, botos cor-de-rosa, o Sítio do Picapau Amarelo, a Távola Redonda, era tão fascinante quanto ler sobre os reis da França, Joana d'Arc, ou o quer que nos chegasse por aqui em tempos de fatos filtrados pela censura.

Muito tempo depois fui descobrir os romances históricos, que forneciam outros pontos de vista sobre épocas distantes de uma maneira mais, digamos, agradável: alguns autores contemporâneos aos fatos, como Shakespeare, Jane Austen, Charlotte e Emily Bronte, e mais, e outros mais modernos, que respaldados em pesquisas sobre as épocas selecionadas, nelas ambientavam suas tramas integral ou parcialmente. 

Como ainda estou sintonizada na Irlanda, me lembrei de Elizabeth Lowell (http://www.elizabethlowell.com/), autora de romances com muito suspense, que escreveu dois livros em 2002 e 2003, Moving Target e Running Scared - procurei, mas não achei esses títulos traduzidos; em todo caso, gosto muito da autora, e há livros dela a ótimo preço no site Estante Virtual (http://www.estantevirtual.com.br/autor/elizabeth-lowell).

Nesses livros, sempre entram em jogo artefatos raros de origem celta. Surpresa! =) 

Não vou negar que o duo romântico me manteve interessada do princípio ao fim do livro Running Scared (gostei mais desse do que do outro). Mas é certo que a personagem feminina, que é curadora dos tais artefatos raros/de ouro me manteve ligada praticamente da mesma forma quando discorria sobre eles. E foi ali que li pela primeira vez sobre o Livro de Kells. Depois fui averiguar do que se tratava. É um manuscrito ilustrado com motivos ornamentais, feito por monges celtas por volta do ano 800, uma das peças mais importantes do cristianismo irlandês, e uma das mais suntuosas que resta da arte religiosa medieval. Ele fica em exposição permanente no Trinity College de Dublin, República da Irlanda.

Fonte: Wikipedia (domínio público)

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Ainda sonhando

Continuo investigando as origens do meu interesse pela Irlanda. Hoje cheguei a uma deusa ou santa. Parece que os irlandeses têm o mesmo hábito que nós, de fazer o sincretismo religioso entre as divindades locais com o cristianismo. Sabemos (ou eu sabia) que essa era uma prática dos missionários para facilitar seu trabalho de assimilação.
No politeísmo celta e na mitologia irlandesa, Brigit, Brigid ou Brighid era 'a digna de ser exaltada'.
Como é comum nas deidades celtas que são descritas como tríplices, ela é vista como três irmãs, todas denominadas Brigid, que desempenham várias funções na sociedade, tais como a cura, a poesia e a metalurgia. 
Ao dar a versão inglesa do mito irlandês, Lady Augusta Gregory (Gods and Fighting Men, 1904), descreve Brigit como "uma mulher de poesia, e que poetas a adoravam, porque sua influência era grande e muito nobre. E ela também era uma curandeira, uma mulher que trabalhava os metais, e foi quem fez primeiro o apito para chamar um ao outro através da noite".
Ela tem uma contraparte inglesa e continental, Brigantia, que parece ser o equivalente celta da Minerva romana e da Atena grega, deusas com funções similares e aparentemente incorporando o mesmo conceito de status elevado, seja físico ou psicológico [fonte: Wikipedia].
Kildare, Co. Clare (Fonte: https://waterculturepower.wordpress.com/)
De qualquer forma, parece que mesmo que a maioria da população do país seja católica, ainda resta a memória da deusa. Brigid simboliza a renovação da vida e a esperança de abundância, e tanto cristãos como pagãos ainda a veneram nos dias de hoje.
“Que a estrada se abra a sua frente
Que o vento esteja sempre às suas costas
Que o sol brilhe suave sobre a sua face
Que a chuva caia gentilmente sobre seus campos
E até que nos encontremos de novo,
Que Ela o guarde na palma da sua mão.”

domingo, 23 de agosto de 2015

Inspiração

Tem gente que tem raízes. Tem gente que tem asas. De uma ponta a outra vale tudo. Quer dizer, a pessoa que por uma razão ou outra se divide entre sua "base" e o resto do mundo. Na maior parte das vezes, dinheiro é o que determina nossas escolhas na distribuição desse tempo. Já na definição dos lugares onde se fica e aonde se vai tem uma parte de dinheiro e uma parte de muitos outros fatores: desejos, sonhos, fantasias, inspiração, aspirações, necessidades, praticidade...

Não me lembro mais porquê um dia eu comecei a sonhar em conhecer a Irlanda. Na década de 1990 cheguei a comprar um guia desse país, mesmo sabendo que ou nunca poderia poder botar os pés lá (questões financeiras) ou que, se isso fosse possível, demoraria muito tempo. Já se passaram quase 25 anos, e ainda não realizei esse sonho.

O que não quer dizer que não devo sonhar. A ciência me dá razão: é melhor gastar com experiências do que com bens materiais. Resolvidas as necessidades básicas, a aquisição de objetos pode dar satisfação imediata, mas não por muito tempo, é o que sugerem estudos psicológicos (http://www.fastcoexist.com/3043858/world-changing-ideas/the-science-of-why-you-should-spend-your-money-on-experiences-not-thing).

Seguem as sete razões para se aplicar as economias naquilo que nos dará mais prazer.

1- Enxergamos o mundo com lentes cor-de-rosa. Ou seja, a não ser que aconteça um desastre real, os pequenos atropelos por que passamos nas viagens perdem a importância quando pensamos no quadro geral e fazemos um balanço da experiência.

2- Nós nos entediamos facilmente. No caso, o tédio chega bem mais rápido pela via do bem material.

3- É mais difícil comparar experiências. Assim, você não se preocupa tanto se fez a melhor escolha ou não, vai ter menos arrependimentos depois, menos preocupações com status, o que significa que as experiências vão estressar menos, e ter mais chance de fazer você feliz.

4- A magia do estado mental que transforma: é o que os atletas chamam de "astral" ou gurus de "estar no momento presente". Esse é um momento/estado essencial para a felicidade.

5- A espera de (uma experiência) é fantástica: melhor que bens materiais, porque de alguma forma mágica dão prazer antecipado grátis.

6- A experiência faz o homem (e a mulher): elas são melhores que bens materiais, porque tendemos a pensar nelas como algo que nos conduz e faz parte do que somos.
Essa é uma verdade que foi levada brilhantemente à tela no filme 'Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças'. O que somos sem as nossas experiências, sem as nossas memórias?

7- Somos animais sociais. Queremos ser ouvidos. Experiências têm mais chances de nos fazer felizes que bens materiais, porque nos aproximam de outras pessoas. Uma das razões para isso é que elas resultam em melhores conversas do que os bens materiais. É mais provável que você seja feliz e que eu vá te ouvir quando você fala do que andou fazendo do que quando fala do que possui.

Conclusão: vale sonhar. Por isso, se não posso viajar, tenho meus filmes favoritos. Alguns contam histórias que são quase contos-de-fadas, outros se passam em lugares que já visitei, e servem para me fazer lembrar essas viagens, fazendo camadas sobre camadas, do que vivi e não vivi, e outros me fazem sonhar. Como The Matchmaker (http://www.imdb.com/title/tt0119632/?ref_=nv_sr_1), por ex., história da assistente de um senador de Boston, EUA, que busca a reeleição, e a envia a uma cidadezinha (condado) da Irlanda para desencavar seus antepassados. As filmagens foram feitas em Galway. Espetacular.

Cliff of Mohar - Galway (Fonte: Pixabay / download gratuito)

Vou continuar sonhando. Porque, como diz a personagem de Angelina Jolie em outro filme de que gosto, 'Uma vida em sete dias' (http://www.imdb.com/title/tt0282687/?ref_=fn_al_tt_1), "viva cada dia como se fosse o último, porque um dia... será".

Clarice: escrever é o mesmo processo do ato de sonhar: vão-se formando imagens, cores, atos, e sobretudo uma atmosfera de sonho que parece u...