segunda-feira, 8 de abril de 2013

Arrumação

Guardar ou jogar fora, eis a questão. "Um dia pode precisar", dizia meu pai. Cultura do pós-guerra, gente que tinha de se virar pra conseguir sobreviver, entrar em fila pra comprar comida racionada, aproveitava tudo, sobra de alimento, retalho de tecido, e por aí vai. Mesmo quando a situação melhorava, o cérebro já estava condicionado a manter o mesmo comportamento. E isso se transmite. Do hábito de se guardar as coisas por necessidade ao de se acumular é um pulo, e o caos à volta da gente parece repercutir na cabeça. Quando se chega a um estágio em que só a magia poderia dar jeito, é hora de arregaçar as mangas e começar a descartar coisas. Aí o bicho pega, porque dói pegar aquele desenho que o filho fez quando era aprendiz de Picasso e se livrar dele. E os cartões da melhor amiga, aquela que morreu e nunca mais vai te escrever nada de engraçado ou para te apoiar nos momentos em que você precisa? As lembranças das viagens que te marcaram pra sempre, que te deslumbraram e te emocionaram, tal e qual o livro de mitologia que você leu quando adolescente ou os contos de fada quando criança?

 1985
Meu adorável e conciso irmão era uma preciosidade na hora de mandar cartões de aniversário. Numa época em que não existia Internet, receber um cartão quando ele viajava era como ganhar na loteria.


 By Nanda

Nandinha tinha (tem) vocação para artista. Adorei quando ela fez o papel de Jocasta. Coitado do Édipo.

By Déa 

Tenho caixas de cartões e cartas trocados com minhas amigos. Amizades epistolares sempre foram minha especialidade. Uma pena que isso tenha se perdido com a Internet, que eu amo, claro, mas ainda não abandonei essa outra modalidade. Uma amiga que prefere o método tradicional, digamos assim, escreveu que epístola remete a apóstolo, o missionário, o sujeito dedicado a uma causa. Faz sentido para brigar contra uma época em que ninguém mais se importa em escrever ou escreve direito, ou num país onde a Educação é tratada como lixo (e onde o lixo nem é tratado).

 By Yasmin

Obras de arte de afilhadas e afilhados fazem parte da coleção, claro.

Memories: Barcelona, Paris... *___*

Viagens fazem grandes memórias (embora eu não saiba se elas têm o poder de perdurar até o fim da vida, graças ao fantasma do Alzheimer), mas não é só isso: são vivências que nos remoldam, por mais curtas que sejam.

No final das contas, são pedaços da gente ou coisas a que nos apegamos? Porque, no final das contas, como dizia mamãe, a gente morre e fica tudo por aqui. Por que guardar, então?

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Paixão



"Sincronicidade é um conceito desenvolvido por Carl Gustav Jung para definir acontecimentos que se relacionam não por relação causal e sim por relação de significado. Desta forma, é necessário que consideremos os eventos sincronísticos não a relacionado com o princípio da causalidade, mas por terem um significado igual ou semelhante. A sincronicidade é também referida por Jung de "coincidência significativa".
Em termos simples, sincronicidade é a experiência de ocorrerem dois (ou mais) eventos que coincidem de uma maneira que seja significativa para a pessoa (ou pessoas) que vivenciaram essa "coincidência significativa", onde esse significado sugere um padrão subjacente, uma sincronia."

Aniversário de Déa. Para ser absolutamente sincera, não sei exatamente quantos anos ela faria. 59? 58? Outro dia conversava com a mãe dela e até ela pareceu um pouco confusa quanto à data do nascimento da filha. Nada a declarar de minha parte. Sou absolutamente confusa com relação a datas, e não sei se isso é uma coisa muito ruim, já que minha mãe, que era quem se lembrava de todos os aniversários e compromissos e criticava os "esquecidos" da família, foi quem acabou com Alzheimer. Prefiro inverter esses papéis e seguir com o cérebro funcionando até o último suspiro.

Eis que chego em casa de uma festa (de aniversário), e resolvo escarafunchar uma pilha de livros que está no chão do meu quarto. Sou desesperançada de ter minha casa arrumada (modelito Casa&Jardim então, nem pensar), mas sigo catando coisas para descartar aqui e ali com fervor religioso. É assim que acho um livro de uma coleção que meu pai comprava na banca de jornais, e dentro, duas páginas completamente amareladas. Acho estranho, porque o resto do livro está branquinho, até me dar conta de que há uma folha de jornal ali dobradinha, igualmente amarelada, responsável pela mancha. 

Pausa: hoje um amigo postou um comentário no Facebook para mim onde se lia "não consigo limpar meu quarto porque me distraio com as coisas legais que encontro". É exatamente isso.

Retornando. Fui checar o jornal. É um artigo do The New York Times Book Review de 21 de agosto de 1994, sobre um livro chamado 'Passion', no qual se baseou um musical da Broadway de Sondheim com o mesmo nome. Ora, foi exatamente esse musical a que fomos assistir, eu e Déa. Lembro-me de que compramos os ingressos na Times Square, sem saber do que se tratava, numa daquelas promoções diárias do Tkts. Não era "um" Fantasma da Ópera, mas também não chegou a fazer a gente querer cortar os pulsos, como Cats. Aliás, é nessa hora que eu gostaria que minha memória fosse melhor, porque talvez até tenha sido nesse ano em que fomos ver os benditos gatos também, e no meio do musical (depois de Memory), eu olhei pra cara da Déa e ela olhou pra minha, e tivemos aquela comunicação telepática, fi-nal-men-te!, e não sei como ou o quê dissemos uma à outra, só sei que nos confessamos que estávamos achando aquilo uma porcaria e decidimos sair no meio do espetáculo. Liberador. Dali fomos comer uma fatia de pizza na Broadway, na altura da 51, num lugar que virou "nosso", e aonde voltaríamos sempre, só por causa de uma tal "pizza branca", coisa boba. Era uma pizzaria que meio que faz lembrar a Parmê, fica em frente a um teatrinho off-Broadway, até assisti a uma peça lá em 2007 (entendi só a metade...), modesta, baratinha, sem nenhum glamur, mas tinha um monte de retrato de artista nas paredes. Claro, deve ser a proximidade dos teatros. [Detalhe: voltei lá em 2007 e em 2010 só pra "marcar presença", e por milagre, a pizzaria ainda existia]

Bom, era assim. Posso dizer que Nova York era uma segunda casa da gente? Too much. Talvez que a gente se sentia em casa por lá, então. Acho que são as pessoas que fazem com que nos sintamos assim, hoje entendo melhor, porque passei alguns anos viajando com Déa, depois viajei algumas vezes sozinha, depois com outras pessoas. Essas pessoas, Déa, Jandiara, Tania, Valéria, Jaqueline, Fernanda, são pessoas muito especiais, muito importantes na minha vida. O que diferencia a Déa é sua ausência definitiva, a falta que ela faz. Talvez as coisas devessem ser assim, o que eu sei? Não sei se ela deveria ter passado pelo que passou, se foi melhor assim (!), se tudo seria diferente. É bom que o passado fique no passado, e já é mais do que hora de aprender isso. Carregar esse mochilão nos ombros só causa dor desnecessária. Mas do jeito que eu vejo as coisas, continuo achando que doença e dor são coisas ruins (também não curto muito esse negócio de envelhecimento não). 

De qualquer forma, cabe refletir um pouco sobre o que essa sincronicidade queria trazer pra mim hoje (ontem), quando eu pensava no aniversário de Déa, e que queria escrever alguma coisa, mas que ando numa vagabundagem só (culpa desse maldito Facebook e da minha eterna procrastinação), e a 'paixão' caiu no meu colo. Talvez porque eu tenha chutado a paixão da minha vida porque dá muito trabalho e só traz dor.

Enfim, Feliz Aniversário, Déa, onde quer que você esteja, e um brinde às(aos) amigas(os), porque sem elas(es) a vida não tem alegria.


Clarice: escrever é o mesmo processo do ato de sonhar: vão-se formando imagens, cores, atos, e sobretudo uma atmosfera de sonho que parece u...