quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Você deve visitar o Museu de Belas Artes

O Rio de Janeiro pode não ter um Louvre (Paris), um Museu Britânico (Londres) ou um Hermitage (S. Petersburgo), mas tem ótimos museus que registram a história da cidade e têm peças relevantes. Um deles é o Museu de Belas Artes, ali em frente ao Teatro Municipal, pertinho da Cinelândia (dá pra ir de metrô), no centro da cidade. Dá até pra fazer uma visitinha na hora do almoço, pra quem trabalha nas imediações. O que é preciso é ir. Simplesmente ir.

Tem exposições pontuais? Tem. Descobrem-se pelos cadernos de cultura divulgados pela mídia ou até passando-se na porta e dando uma checada nos banners. A entrada custa R$8 (com meia-entrada para estudantes, professores, e talvez outras categorias). Tem site pra averiguar detalhes e agenda  (http://mnba.gov.br/portal/). O museu também tem página no Facebook (https://www.facebook.com/MNBARio/).

O museu foi inaugurado em 1938, mas sua história começa com a chegada da família real portuguesa no Brasil, em 1808. Em sua "encarnação" anterior era a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, fundada pelo rei e que funcionava em prédio próprio, construído por Grandjean de Montigny, um dos integrantes da Missão Francesa. A Escola Real virou Academia Imperial e depois Escola Nacional. O prédio do atual museu é uma combinação de estilos, e foi tombado pelo IPHAN em 1973.

O acervo partiu das obras trazidas por D. João, e foi ampliado com o tempo, inclusive com a incorporação do acervo da Escola Nacional, além de aquisições. Conta atualmente com cerca de 15 mil peças, entre pinturas, esculturas, desenhos e gravuras de artistas brasileiros e estrangeiros, além de uma coleção de arte decorativa, mobiliário, arte popular e um conjunto de peças de arte africana.

Seja lá o que for que esteja acontecendo, é preciso ir. Pelo menos uma vez, embora eu recomende várias. São muitas peças, e o museu não é pequeno. Demanda tempo e preparo físico. Também não sei se todos os ambientes já estão com a refrigeração funcionando plenamente. Ano passado tive de interromper a visita porque um dos ambientes estava com refrigeração nula, impossível de ser tolerada no verão saariano da cidade. 

E em pelo menos uma das alas do museu sempre tenho que dar uma espiada: o corredor onde estão as esculturas greco-romanas, ou a 'Galeria de Moldagens'. A primeira vez que vi, muitos anos atrás, não dei muita bola porque achei que eram "simples" cópias. Talvez porque estivesse diante de uma exposição de esculturas de Rodin. Ainda bem que a gente aprende a aprender. Só recentemente fui descobrir que eram mais do que isso.

A maioria das moldagens expostas nas duas galerias do segundo piso do MNBA é de peças realizadas do início do século XIX até 1928. Foram feitas em gesso com a técnica de moldagem direta nas esculturas originais distribuídas nos principais museus europeus. Este procedimento não é mais permitido, o que torna a coleção mais importante. Minha favorita é a réplica da Vitória de Samotrácia, cujo original está no Louvre. Posso dizer sem vergonha que me impressionei mais com ela do que com a Mona Lisa. Não falo de técnicas ou arte, porque não entendo nem de uma nem de outra. Mas de impacto mesmo. Acho incrível, e é um prazer poder revê-la no MNBA.

Um último destaque (melhor do que falar sobre as obras da coleção é vê-las) fica para Antínoo, uma escultura singular - não se trata de cópia, mas um original romano da época do imperador Adriano, encontrado em 1878 nas escavações patrocinadas por D. Teresa Cristina, imperatriz do Brasil, nas imediações de Roma, em Veio, antiga cidade etrusca. Fora o valor inerente à obra, bom saber que alguma figura política relevante do país já se interessou por cultura.

Vitória de Samotrácia (c. 190 a.C., autor desconhecido), encontrada na ilha de Samotrácia (1863). 
Uma das últimas moldagens do original em mármore existente no Museu do Louvre, Paris.
Foto: acervo pessoal


Afrodite/Vênus de Milo (c. 100 a.C.).
Original no Louvre.
Foto: acervo pessoal
Observem-se os olhos vendados. Cada um interprete como queira.


Outra Afrodite, de Arles (Atenas, c. 390-330 a.C.).
Original no Louvre.
Foto: acervo pessoal

Obra sem título de Anish Kapoor (Índia, 1954).
Foto: acervo pessoal


Fotos da obra do museu.
Foto: acervo pessoal

Painel Alegoria das Artes, da Academia Imperial.
Foto: acervo pessoal

A ceia do Senhor, atribuída a Antônio de Holanda (1450/1500 - 1550/1570).
Foto: acervo pessoal


A Primeira Missa no Brasil, 1948, de Candido Portinari.
Foto: acervo pessoal

Antínoo, estátua romana encontrada em 1878.
Foto: acervo pessoal


Mais informações interessantes constam do site do museu, mas vale ressaltar uma: o Google Arts & Culture, que reúne coleções de mais de 1000 museus e instituições de arte e cultura do mundo, acaba de incluir o MNBA. Com a digitalização de parte do acervo, facilita-se o acesso a seu patrimônio (https://www.google.com/culturalinstitute/beta/partner/museu-nacional-de-belas-artes?hl=pt-BR). São mais de 500 obras em alta resolução, com direito a passear pelas galerias através do Google Street View.


quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Pinakotheke

Na Grécia ou Roma antigas, pinacoteca era um prédio que continha pinturas, possivelmente afrescos, ou quadros, esculturas, e outras obras de arte. 
Atualmente o termo é usado também para designar uma galeria de arte com foco preferencial em quadros. Já fui à Pinacoteca de Paris, à de São Paulo, e agora me surpreendi em descobrir que existe uma no Rio de Janeiro. E que boa surpresa.
Vi o anúncio de uma exposição e fui procurar o tal lugar. Não que tenha uma localização obscura. Está em plena Rua São Clemente, Botafogo, no número 300. Dependendo de onde se vem, há transporte público (ônibus) que passa na porta. E não é muito longe da estação de metrô. Pode-se dizer que fica no sopé do Morro Dona Marta. 
A gente chega meio preocupada: vai que está havendo algum conflito, coisa nada incomum hoje em dia. E se descobre o casarão, que em outras épocas deve ter sido mansão de algum nobre do império. Não consegui descobrir as origens da casa, que me deixaram bem curiosa. Por enquanto vou me contentar com o fato de que fizeram um bom trabalho de restauração e manutenção. 
Para entrar é preciso tocar uma campainha. Possivelmente mais um dos reflexos da insegurança já mencionada. Não é uma conclusão surreal. 

Quando entramos, nos esquecemos de tudo. Exposições em espaços limitados têm um ar intimista, ou talvez tenha sido o fato de que não havia mais ninguém além de mim e de alguns funcionários que circulavam. Nada invasivos, como em algumas exibições, o que me deixa incomodada e paranoica. Parece segurança de loja achando que a gente vai surrupiar alguma coisa. Só quando já estava quase saindo vi um homem explicando ou apresentando algumas obras a outro.
De cara devo dizer que não sou muito fã de arquitetura que vou chamar de modernista. Penso em Brasília, em Corbusier... e como não sou arquiteta, falo de opinião meramente leiga. Confesso que gosto de um rebuscado, um meio-termo que "limpe" o exagero de um rococó, digamos assim. Mas me vi fascinada pela exposição dedicada a Oscar Niemeyer, em como algumas linhas podem se transformar em arte delicada e expressiva, me fazendo ver que menos é mais. Ou que há espaço para todo tipo de arte. Como no amor e na literatura, toda arte vale a pena. Nem que seja para se desgostar (sem histeria).
Há obras de outros artistas sigificativos da cultura nacional, como Tomie, Portinari, Ceschiatti, sem contar as belíssimas fotografias que têm arquiteto e artista como objeto, cada uma de um autor diferente. E há também um vídeo com o próprio Niemeyer. Fiquei assistindo por um tempo, mas a qualidade do som não ajuda. Vou pesquisar mais tarde onde é possível se ver na internet, nem que seja com um fone de ouvido. Pelo pouco que vi, vale a pena. E vale também circular no exterior do casarão. Há belas esculturas espalhadas pelos jardins, e o espaço é realmente admirável.
Funciona de segunda a sexta, das 10 às 18 h.

 Obras produzidas por Niemeyer em alusão ao golpe militar de 1964 (acervo)

Niemeyer por Evandro Teixeira, 2007 (acervo)


Niemeyer por Walter Carvalho, 2009 (acervo)

Os candangos de Bruno Giorgi (acervo)

Anjo, de Alfredo Ceschiatti, 1969 - Modelo para Catedral de Brasília (acervo)

Cabeça de Menino e Cabeça de S. Francisco - provas de painel de azulejo, Portinari, 1944 (acervo)

Afro-Brasileiro, Joaquim Tenreiro, 1971 (acervo)



terça-feira, 17 de outubro de 2017

Daquilo que nos envergonha

O Sítio Arqueológico Cais do Valongo, localizado na zona portuária do Rio de Janeiro, ganhou em julho de 2017 o título de Patrimônio Mundial da UNESCO. O Cais foi encontrado em 2011, durante as escavações feitas para a reforma da zona portuária. Suas ruínas são os únicos vestígios materiais da chegada dos africanos no país.
Não era um simples ponto de desembarque: 4 milhões de africanos escravizados vieram para o Brasil em 300 anos de tráfico; 2,4 milhões entraram no país via Rio de Janeiro, e 1 milhão deles pelo Valongo, entre 1774 e 1831. Para se ter um parâmetro, os Estados Unidos receberam cerca de 400 mil em toda a sua história de tráfico.
O historiador Carlos Eugênio Líbano Soares, da UFRJ, afirmou que o Cais do Valongo é o complexo negreiro mais importante do país na história da diáspora africana na era moderna.
A Intendência Geral de Polícia da Corte da Cidade do Rio de Janeiro fez construir o Cais do Valongo em 1811, para atender a antiga determinação do Vice-Rei, o Marquês de Lavradio, de 1779. Seu objetivo era retirar da rua Direita, atual rua Primeiro de Março, o desembarque e comércio de africanos escravizados.
Ao longo dos anos, o Cais passou por sucessivas transformações. Na primeira intervenção, em 1843, foi remodelado para receber a Princesa das Duas Sicílias, Teresa Cristina Maria de Bourbon, noiva do então futuro Imperador D. Pedro II, e passou a se chamar Cais da Imperatriz. As reformas urbanísticas da cidade no início do século XX fizeram com que o Cais da Imperatriz fosse aterrado em 1911. 
Ao ser nomeado patrimônio mundial, o Cais do Valongo fica no mesmo nível de outros lugares reconhecidos pela UNESCO como locais de memória e sofrimento, como um memorial em Hiroshima, no Japão, e o Campo de Concentração de Auschwitz, na Polônia. 
Penso que há uma tendência no Brasil ao "esquecimento" de sua história, de se tentar ignorá-la ou pintá-la de cor-de-rosa. Não se dá o devido valor à preservação da memória, como não se dá à ciência e à educação. E o racismo ainda vive. O Cais do Valongo tem um significado extraordinário para nos fazer lembrar dessa vergonha, desse crime contra a humanidade. Esperemos que a lição seja aprendida e que pelo menos o sítio seja preservado.
Sítio arqueológico do Cais do Valongo - acervo (2017)

A história do sítio arqueológico - acervo (2017)

A história do sítio arqueológico - acervo (2017)

A história do sítio arqueológico - acervo (2017)

Monumento ao Cais da Imperatriz - acervo (2017)

Sítio arqueológico do Cais do Valongo - acervo (2017)

Sítio arqueológico do Cais do Valongo - acervo (2017)

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Outras fotografias

Sou a pessoa mais ignorante do planeta. Entro num museu e às vezes não tenho ideia do que estou vendo. Não sei descrever estilos de pintura, ou as particularidades desse ou daquele artista. Olho e gosto por algum motivo, mas se não registrar quem é o autor da obra, fica por isso mesmo, no visual. Não sei se vou mudar isso, se vou passar a ler biografias ou estudar os estilos de cada um, os movimentos artísticos e suas manifestações, ou se vou continuar preguiçosa, fotografando e depois pesquisando no Google/Wikipedia. Tanta coisa pra ler, tanta coisa pra aprender... 

Mas minha abismal ignorância é diretamente proporcional ao imenso prazer que tenho em visitar museus e descobrir o que me atrai, mesmo sem saber o porquê. O mundo é grande e cabe no breve espaço de uma tela. Haja museus.

Sigo a multidão. E chego a 'Guernica', exposta no museu Reina Sofia, em Madri. Talvez uma das obras mais famosas do famoso Picasso. No limite dos meus desconhecimentos, sei um mínimo sobre o pintor e essa obra em especial. Não entendo muito do cubismo, esse movimento artístico que tem Picasso como um de seus expoentes, nem sou exatamente apreciadora de todas as obras dessa fase. Mas me lembro que ainda era criança e vi um documentário na então TV Educativa que me deixou absolutamente fascinada. Possivelmente falava do artista, mas é certo que o que me marcou foi o desvendamento dessa obra que representa a revolta contra a guerra que fez da cidade de Guernica alvo de bombardeios nazistas alemães e fascistas italianos, a pedido do governo fascista espanhol. Mais uma tragédia na conta dos senhores da guerra.

Enquanto trabalhava no mural, Picasso disse:

"No painel no qual estou trabalhando, que deverei chamar de Guernica, e em todos os meus trabalhos recentes, claramente expresso minha repulsa à casta militar que afundou a Espanha em um mar de dor e morte." 

Após 35 dias de trabalho, ele terminou o mural em 4 de junho de 1937.

Há várias curiosidades envolvendo essa obra e o artista, mas me interessei por uma em especial. Diz-se que Picasso tinha um espírito mordaz tão expressivo quanto seu talento artístico, e um dia se viu diante de um oficial da Gestapo alemã que lhe perguntou, a respeito de Guernica: "Você fez isso?", e o artista lhe teria respondido, "Não, você fez".


Guernica, Museu Reina Sofia (Acervo/2016)

Também fico de queixo caído com detalhes de construções. Em geral prefiro-as antigas. Quanto mais, melhor, porque assim têm história pra contar. Como a Catedral de Sevilha, concluída no séc. 16, quando então se tornou a maior catedral do mundo, suplantando a Hagia Sophia, uma igreja bizantina cristã. É a terceira maior igreja do mundo e também a maior dentre as góticas. Mas por ser a única que sedia o bispado, é a maior catedral do mundo. Já foi até mesquita, durante o longo período de ocupação moura na península ibérica.



Catedral de Sevilha, Patrimônio Cultural da Humanidade (Acervo/2016)


Não vou entrar no mérito de como certas obras, como prédios ou estátuas, são produzidas. Mão-de-obra, dinheiro gasto, proveniência desses recursos e algumas homenagens questionáveis sempre haverão de me fazer refletir. 

Por exemplo, alguma vez ouvi dizer que as ruas de Ouro Preto e outras cidades coloniais tinham um calçamento chamado "pé-de-moleque" porque eram crianças escravas que as assentavam. Lenda ou não, é óbvio que escravos faziam o trabalho braçal no Brasil dessa época. Em outros países se encontrarão histórias parecidas e obras executadas com exploração maior ou menor de pessoas. Como os camponeses na Rússia do tempo dos tzares (imperadores).

Não há palavras que possam refletir o esplendor das obras de arte encontradas nos museus e prédios históricos de S. Petersburgo, na Rússia. Reflexões à parte, são deslumbrantes. O Hermitage e o palácio da imperatriz Catarina II são destaques, sim, porém há muito mais, como por exemplo, o museu Fabergé.

Antes ligava Fabergé aos ovos imperiais de Páscoa. Alguns estão no museu, hoje de propriedade particular. Outros estão espalhados pelo mundo. Além dos nove ovos criados pelo joalheiro Peter Carl Fabergé para os dois últimos tzares, há cerca de 4000 peças de ouro, prata, bronze, porcelana, e pinturas no museu. Obras requintadas, preciosas, que refletem um pedaço da história da arte do país. Mesmo que os ovos tenham se espalhado pelo mundo e coincidam com a agonia de um regime. 

O museu Fabergé fica no Palácio Shuvalov, um dos mais belos da cidade, que é linda. A coleção de ovos foi adquirida pelo bilionário Viktor Vekselberg ao magnata norte-americano Malcolm Forbes.



O ovo que não foi feito para a família imperial, mas para a Duquesa de Marlborough, em 1902 - (Acervo/2016)



Peças de outros artistas russos - Sala Branca (Acervo/2016)


Arte e dinheiro sempre estarão estreitamente vinculados, penso. Mas não preciso possuir nada disso, a mim me basta poder ir aonde as obras estiverem. Ou, se isso não for possível, contar com o Google e a Wikipedia para suprir a vontade de constatar que o ser humano é capaz de feitos extraordinários, quando quer. Por sua vez, também é capaz de destruir aquilo que outros construíram com tanto sacrifício. Desejo que o ímpeto de construir seja mais forte que o de destruir.




sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Fotos e textos



Memorial a Shakespeare - Catedral de Southwark, Londres (2017)



British Library (2017)



Alnwick Castle (2017)


Disneyland - 2012



Sou exagerada. Se posso escrever vinte palavras em vez de uma, ou tirar dez fotos de um mesmo objeto, é o que faço. Diziam os antigos que o que abunda não prejudica. Pode ser que sim, pode ser que não. Posso ter mais opções na hora de selecionar o que vai restar no final, mas também posso ficar confusa. Deve ser o mesmo princípio dos meus pais e avós para acumular coisas, “um dia você vai precisar”. E vão se juntando coisas, palavras e fotos. Às vezes até pessoas. A gente guarda. É um hábito que se cria, e do qual é difícil se livrar. Há muita gente capitalizando a ideia de desapego: são as mudanças de hábito, de gerações pós-guerra, da carência, para as gerações do descartável.

O problema é justamente saber o que fazer com o que se acumula uma vida toda, e equilibrar as práticas de ajuntar e desapegar. O melhor é conservar lembranças. Viajando, por exemplo. Ou lendo, visitando museus, centros culturais, prédios históricos. De alguma forma, tudo isso se relaciona.

Não sei o que me move para decidir para onde quero ir ou o que desejo fazer. Leio, vejo filmes, séries, circulo pelas redes sociais e pelos sites de busca, e me inspiro. O que sobra de tanta informação é algo meio misterioso. Porque um lugar e não outro?

Uma coisa eu sei: literatura me influencia.

Resolvi fazer uma experiência, para tentar vencer a inércia que me paralisa quando considero escrever e, aproveitando uma iniciativa recente de organizar os arquivos de fotografias, pensei em pegar um número não muito grande de fotos avulsas, e buscar um elo entre elas. Qual o critério? Não vejo como ser totalmente aleatório, e certamente vou selecionar as que mais me atraírem. Concluo que um tema pode ser a chave para tocar o projeto. Com centenas de fotos digitais é melhor ter um mínimo de organização. Datas, pessoas, lugares?

Então, literatura e viagem. Ainda não passei por todas as fotos, mas dentre as recentes, percebi o mérito dessa ideia: ela estaria por trás das andanças, mesmo quando não intencionalmente? Vou averiguar.

Por enquanto, escolho quatro fotos, três deste ano de 2017, e uma de 2012.

A primeira foto é de uma escultura de Shakespeare, encontrada na Catedral de Southwark, em Londres. Sei que não fui lá por causa disso, pois desconhecia esse detalhe. O que eu queria era visitar a catedral mais antiga da cidade, porque tenho verdadeira fascinação por prédios históricos e patrimônios culturais. Quanto mais antigo, melhor. E no caso, há até evidências arqueológicas da existência de um templo romano anterior à igreja cristã, primeiro católica, hoje anglicana.

Porque Shakespeare? Essa era a paróquia que ele frequentava quando morava perto do Globe Theatre. Seu irmão, Edmund Shakespeare, foi enterrado no terreno da igreja em dezembro de 1607, mas o local exato é desconhecido. Um memorial dedicado a ele fica no chão da seção do coro. Uma bela janela de vitral é dedicada a Shakespeare, mostrando personagens de suas peças. E sob a janela fica a escultura do escritor. Atrás dele, percebem-se os detalhes da catedral e do teatro. A estátua de alabastro foi criada em 1912 por Henry McCarthy.

Depois, a foto mais óbvia: um detalhe da loja da Biblioteca Britânica, que tem livros à venda com edições próprias, e uma particularidade que adoro: recomendações personalizadas. Me faz lembrar a discussão levantada no filme ‘Mensagem para você’, com Meg Ryan e Tom Hanks. Ela tinha uma livraria pequena, com vendedores especializados, enquanto ele tinha uma megaloja, uma empresa que negociava livros como qualquer outra mercadoria. A cena ilustrativa dessa diferença é quando uma mulher está em busca de um livro infantil sobre “sapatos”, e o pobre vendedor fica obviamente perdido. Imagina, você chega na Saraiva e pede a um vendedor um livro infantil sobre castelos. Chega a ser cruel. A cerejinha do bolo é quando a personagem de Ryan, escondida num canto, dá as dicas sobre os livros da autora, Mary Noel Streatfield, e o vendedor pergunta como se escreve.

Agora fiquei com vontade de ler os livros. E os diálogos maravilhosos do filme, dirigido por Nora Ephron, uma ótima escritora, e escritos por ela e sua irmã Delia.

Passei ao castelo de Alnwick, construído no século 11 depois da conquista normanda, e habitado até hoje. Serviu de locação para filmes e séries, alguns muito famosos, como Harry Potter e Downton Abbey. Descobri que uma estátua de um antepassado do atual duque foi retratado em uma peça de Shakespeare. Mais literário que isso fica difícil.

Resgatei ainda uma foto de 2012 para lembrar das delícias de um clássico da infância, o mundo criado por Walt Disney. Disneyland, o primeiro parque, na Califórnia, o único construído sob a supervisão direta do criador, é um sonho para quem conviveu em algum momento de sua vida com os personagens desse mundo de fantasia. Muitos baseados em personagens da literatura infantil, ainda que adaptados. A imagem é do Coelho Branco da história de Alice, de Lewis Carroll. O filme de Disney é o que eu conheço. Confesso que tenho o livro mas não li. Vergonhoso, eu sei, mas é a verdade. Outra hora eu volto ao tema, por conta de uma maravilhosa exposição que vi em São Paulo sobre Alice no País das Maravilhas.

“É tarde! É tarde! É tarde até que arde! Ai, ai, meu Deus! Alô, adeus! É tarde, é tarde, é tarde!”, diz o coelho no filme e eu endosso. Sempre é tarde quando eu acabo de escrever.

terça-feira, 18 de julho de 2017

Celebrando Jane Austen: lá se vão 200 anos de sua morte

Como ainda é possível ficar triste com a morte de uma pessoa que já se foi há 200 anos? Já lemos biografias, vimos filmes, o conhecimento do fato se perdeu na memória, e mesmo assim lá vem a tristeza… primeiro pelo eterno inconformismo, porque tão cedo? E depois pela querência de não perder aquela pessoa, aquela personagem que transformamos em heroína na nossa mente, e que passou a fazer parte da nossa vida. Mas acusamos o golpe quando lemos o relato não de um biógrafo distante, mas daquela que esteve presente, da irmã/melhor amiga, que acompanhou nossa heroína de carne e osso literalmente até o último suspiro.



Seus últimos momentos (acervo) - 14/05/2017

“Eu mesma pude fechar seus olhos, e foi uma enorme gratificação poder prestar-lhe esses últimos serviços. Não havia nenhum traço de convulsão que desse a ideia de dor em sua aparência; pelo contrário, exceto pelo movimento contínuo da cabeça ela transmitia uma ideia de bela estátua, e mesmo agora, em seu caixão, há tamanha doçura e serenidade em seu rosto que é quase agradável contemplar. (...) A última triste cerimônia ocorrerá na quinta-feira pela manhã; seus queridos restos mortais serão depositados na catedral. É uma satisfação para mim pensar que eles repousarão em um lugar que ela admirava tanto; sua alma preciosa, ouso esperar, descansa em uma mansão superior. Que a minha possa um dia se reunir a ela!” *

Austen, Jane. THE LETTERS OF JANE AUSTEN (Kindle Locations 4023-4032). MonkeyBone Publications. Kindle Edition. 


A história de Jane Austen já é conhecida demais, não preciso ficar repetindo. Nem careço de falar de seus livros, já que o cinema se encarregou de tornar alguns bem famosos, e dar à autora fama e reconhecimento com que ela nunca sonhou. Não sou muito fã de reconhecença póstuma, mas nada posso fazer a respeito. Sigo a corrente de admiradores, e quando possível, vou atrás daquilo que evoca a presença da escritora.

Um breve histórico: meu primeiro contato com ela data dos tempos de faculdade, quando estudamos Pride and Prejudice na cadeira de Literatura Inglesa, na década de 1970.

Avançamos 20 anos, e vem a BBC produzir uma série muito fiel (1995) que arrebatou corações. Bom, digamos razoavelmente fiel, já que um dos motivos para a popularidade da série se deve a um mergulho num lago e uma camisa molhada de um dos principais personagens do livro, Mr. Darcy, representado pelo ator Colin Firth. O resto é história. Até hoje só não vi nenhuma adaptação de Mansfield Park (o menos favorito dos livros, vou ter de reler um dia para reavaliar).

Encerro a introdução porque hoje, passados exatos 200 anos da morte de Jane Austen, quero deixar de lado minhas opiniões sobre os livros, qual o favorito, como chorei de emoção ao visitar Chawton, última residência dos últimos anos de sua vida até se deslocar para Winchester para uma última tentativa de cura da doença que a consumia. Quero chegar à belíssima catedral de Winchester, onde visitei a última morada de Jane Austen.

Catedral de Winchester (Acervo) - 14/05/2017


Catedral de Winchester (Acervo) - 14/05/2017

É claro que a catedral merece a visita por si só, mas o maior movimento se vê em torno da pequena exposição com itens e cartazes relativos à vida da autora. Além da tumba, é claro, onde há uma inscrição elaborada por um de seus irmãos. Que sequer menciona seu singular talento.

O interior da catedral maravilhosa (Acervo) - 14/05/2017

A tumba - próxima da entrada, à esquerda (acervo) - 14/05/2017


"In Memory of JANE AUSTEN, youngest daughter of the late Revd GEORGE AUSTEN, formerly Rector of Steventon in this County. She departed this Life on the 18th of July 1817, aged 41, after a long illness supported with the patience and the hopes of a Christian. The benevolence of her heart, the sweetness of her temper, and the extraordinary endowments of her mind obtained the regard of all who knew her and the warmest love of her intimate connections. Their grief is in proportion to their affection, they know their loss to be irreparable, but in their deepest affliction they are consoled by a firm though humble hope that her charity, devotion, faith and purity have rendered her soul acceptable in the sight of her REDEEMER."

"Em memória de JANE AUSTEN, filha mais nova do falecido Reverendo GEORGE AUSTEN, antigo encarregado da paróquia de Steventon neste Condado. Ela partiu desta Vida em 18 de julho de 1817, aos 41 anos, após uma longa doença suportada com a paciência e as esperanças de uma Cristã. A benevolência de seu coração, a doçura de seu temperamento, e as extraordinárias qualidades de sua mente obtiveram o apreço de todos que a conheceram e o amor mais caloroso de suas conexões mais próximas. Sua dor é proporcional ao seu afeto, eles sabem que sua perda é irreparável, mas em sua mais profunda aflição são consolados por uma firme porém humilde esperança de que sua caridade, devoção, fé e pureza tornaram sua alma digna da presença de seu REDENTOR." *


O registro do enterro (Acervo) - 14/05/2017

Parece que o registro do sepultamento foi feito posteriormente, pois a data que consta no livro é anterior ao óbito em 2 dias. A partir de 1854 a catedral deixou de ser usada para essa finalidade.

Segundo memorial, de 1870 (acervo) - 14/05/2017


A exploração do nome e obras de Jane Austen parece ter começado cedo (apesar da extensa família, ninguém ficou com os direitos autorais). James Edward Austen-Leigh escreveu um livro sobre sua tia famosa, publicado em 1870, e com o lucro, mandou fazer uma placa de bronze, que fica em frente à tumba.

"Jane Austen. Known to many by her writings, endeared to her family by the varied charms of her character and ennobled by her Christian faith and piety was born at Steventon in the County of Hants, December 16 1775 and buried in the Cathedral July 18 1817. "She openeth her mouth with wisdom and in her tongue is the law of kindness"."

"Jane Austen, Conhecida por muitos por seus escritos, cara a sua família pelos vários encantos de sua personalidade e enobrecida por sua fé e piedade Cristãs nasceu em Steventon no Condado de Hants, em 16 de Dezembro de 1775 e foi enterrada na Catedral em 18 de julho de 1817. "Ela abriu sua boca com sabedoria e em sua língua está a lei da bondade"." *


Quiseram mais. Em 1898 fez-se uma campanha de doações, através de uma carta ao jornal The Times, assinada pelo Conde de Selborne, Lord Northbrook, W.W.B. Beach e Montague G. Knight de Chawton, para a confecção de um vitral em homenagem à escritora, que se juntaria aos dois memoriais já existentes. O design é de Charles Eager Kempe, e precisa ser descrito para ser entendido: há uma figura de Sto. Agostinho (Augustine em inglês, que tem uma forma abreviada de "St Austin", remetendo ao sobrenome de Jane); o rei Davi tocando sua harpa no centro; e na coluna inferior S. João, com seu evangelho, aberto nas primeiras palavras, "No princípio era o Verbo...". Uma inscrição em latim alusiva à escritora também foi incluída, que pode ser traduzida assim: "Lembrem-se no Senhor de Jane Austen que morreu em 18 de julho de 1817".

Pensam que acabou? Não. Há ainda quatro figuras carregando um pergaminho com sentenças em latim que fazem referência à natureza religiosa de Jane Austen.

Pode ter feito sentido na época, embora eu tenha minhas dúvidas (sempre acho esses vitrais obscuros), mas só com a legenda. E eu confesso que não reparei. Mesmo que se tente fazer uma fotografia de toda a janela, não há muito espaço (pelo menos para uma fotógrafa amadora) e as figuras não ficam tão nítidas. E mesmo que ficassem, quem vai achar que não se trata de mais um vitral do conjunto da catedral?

Vista parcial da janela (acervo) - 14/05/2017

A descrição da janela (acervo) - 14/05/2017

Não que ela não mereça toda e qualquer honra que lhe seja concedida. Apenas acho que faz toda a diferença quando isso acontece enquanto a pessoa está viva. Jane sempre dependeu da família para as mínimas despesas e para o básico, como a moradia. Há quem diga que o estresse decorrente da preocupação com sua situação agravou-lhe a doença. Ela foi a única que se estressou, pelo visto, já que o resto da família viveu bem mais.


O interior da catedral (acervo) - 14/05/2017

Mas quem se encantou com os textos produzidos por Jane Austen vai manter sua admiração e satisfazê-la da forma como puder. Ler e reler os livros, ver e rever os filmes, tentar adquirir itens que a evoquem... há um extenso mercado de livros que tratam de tudo que possa se relacionar à escritora, à época e lugares em que viveu, além de fan-fiction. Muitos textos interessantes têm aparecido e isso faz com que a memória não se apague.


Isso não tem fim... 

Celebrar quem ou o quê se ama é natural. E no caso, justificado. Vale a pena correr atrás desse sonho.


Winchester - 2017


* Traduções livres de minha autoria




Clarice: escrever é o mesmo processo do ato de sonhar: vão-se formando imagens, cores, atos, e sobretudo uma atmosfera de sonho que parece u...