sexta-feira, 17 de junho de 2016

Morte pela crença, pelos “crentes” ou da estupidez humana

Acervo - Foto da exposição World Press Photo 16, em Amsterdam
Bebê é entregue a refugiado sírio em cerca de arame farpado na fronteira entre a Sérvia e a Hungria

Em novembro de 2013 a BBC publicou artigo que questionava o fenômeno dos 100.000 mártires cristãos anuais. Daquelas “informações” que nascem não se sabe onde, com credibilidade duvidosa, mas até o Vaticano foi atrás. Como o Vaticano é construído em cima de escritos por si só, digamos, questionáveis, não sei se sua ratificação pode ser tomada ao pé da letra.

Claro que como muita coisa na Internet, a “informação” virou telefone sem fio, e daí a se atribuir a autoria das supostas mortes a muçulmanos foi um passo. Imagina se Trump já fosse candidato nessa época… O número teria triplicado.

A luz se fez quando se verificou que a maioria dessas mortes tinha ocorrido na guerra civil da República Democrática do Congo. Estima-se que 4 milhões de pessoas morreram nessa guerra entre 2000 e 2010, e um centro de estudos cristãos contou 20% desse total como mártires. Na média, dá 90 mil mortes, e voilà! Aí estão 90% dos “mártires”. Entre aspas, porque a tal república democrática é um país cristão. Então… Cristãos matando cristãos? Parece normal, num planeta em que um mata o outro por razão nenhuma.

O tal grupo cristão deu marcha à ré, e disse à BBC que usou números de 1982 de uma enciclopédia também cristã. Não sei, mas está me parecendo que ainda se trata de dados comprometidos. Detalhes aqui: http://www.bbc.com/news/magazine-24864587.

No que passamos para o outro lado da moeda, já que os tais cristãos midiáticos, que não conferem fatos nem dados nem fontes, continuam disseminando suas mensagens de ódio, ecoando todos os discursos hitleristas, nazistas, neonazistas, arianos… Escolha seu rótulo, porque eles são intercambiáveis.

O Centro de Pesquisa sobre Globalização (CRG), uma organização independente com base em Montreal, aponta em um artigo de agosto de 2015 que, embora seja provavelmente impossível conhecer o resultado macabro das modernas guerras do Ocidente no Oriente Médio, esse número pode chegar a 4 milhões ou mais. Vale lembrar que a guerra do Iraque foi iniciada pelos EUA, e os exércitos dos aliados ocidentais fizeram um belo estrago por aquelas bandas. Seria então… genocídio? Para refletir.

Um relatório da organização Physicians for Social Responsibility (Médicos pela Responsabilidade Social - http://www.psr.org/assets/pdfs/body-count.pdf) calcula a contagem de corpos na Guerra do Iraque em torno de 1,3 milhão, e possivelmente mais de 2 milhões. Mas os números dos mortos no Oriente Médio extrapolam esse limite. Porque além dos mortos no Iraque e Afeganistão, há também as vítimas das sanções contra o Iraque, que deixaram ainda cerca de 1,7 milhão de mortos, metade crianças, conforme dados das Nações Unidas. 850 mil crianças. Não são mártires, porque não morreram para defender suas religiões ou outras pessoas, como diz o dicionário. São vítimas inocentes. Crueldade pura. Ou, como dizem os senhores da guerra, danos colaterais.

Nas guerras seguintes no Iraque e Afeganistão, os EUA não somente foram responsáveis pela morte de milhões de pessoas, como destruíram sistematicamente a infraestrutura desses países, e depois usaram os esforços de reconstrução como oportunidades para o lucro, em vez de beneficiar as populações locais. Mencionam-se evidências de tortura e rumores sistemáticos de ataques sexuais. (E a revolta ocidental diante dos estragos nos patrimônios culturais da humanidade, seja aqueles destruídos pelas guerras ou pelos psicopatas do daesch… Qual o estopim desses atos bárbaros? Lamentamos, mas seria a destruição de um templo, de uma estátua, ou a pilhagem sistemática dos tesouros dos museus mais horrenda que a morte de milhares de crianças?)


Um adendo: em 2015 houve 69 acusações de exploração sexual ou abuso por soldados das forças de manutenção da paz (?) das Nações Unidas; 52 em 2014 e 66 em 2013 - o que foi reportado, porque se boa parte desses crimes não é comunicada nos países que não estão em guerra e contam com um razoável sistema policial e jurídico/judiciário, imagine-se em áreas precárias e em guerra… é mais do que vergonhoso, é hediondo.


Falamos de situações de guerra, mais extremas, embora nos pareça que nos dias de hoje as repercussões das guerras não têm limite geográfico. Crenças sempre foram justificativas para assassinatos, mesmo se os livros sagrados das religiões não fizessem referência a esse tipo de comportamento sociopático. Mas graças à peculiaridade de o medíocre ser humano ser capaz de cometer o crime mais ignóbil pelo motivo mais insignificante, crença e ideologia vêm se repetindo há séculos (ou seria milênios?) como justificativas cada vez mais triviais para assassinato, estupro, roubo… E há locais em que esses atos foram institucionalizados e sancionados por uma lei, religiosa ou não. Isso quando mesmo ilegais não são tidos como "tradição".
Comparada com a alegada carnificina praticada por muçulmanos, os cristãos europeus têm nas costas cerca de 100 milhões de mortes (16 milhões na Primeira Guerra Mundial, 60 milhões na Segunda – embora algumas dessas sejam atribuídas a budistas na Ásia– e mais alguns milhões em guerras coloniais). A Bélgica, aquela da cerveja e dos recentes atentados, "conquistou" o Congo e estima-se ter dizimado metade de seus habitantes, ou seja, no mínimo 8 milhões de pessoas (Fonte: http://www.juancole.com/2013/04/terrorism-other-religions.html

Fala-se muito dos países muçulmanos onde vigora a sharia - mas esta é o corpo da lei islâmica, um sistema de várias leis, que não é adotado em sua totalidade em nenhum país. A maioria dos países muçulmanos conjuga suas próprias leis e outras da sharia. De qualquer forma, a lei islâmica ensina que a homossexualidade é uma forma vil de fornicação, punível pela morte. Homossexuais são decapitados, enforcados e apedrejados na moderna (?) Arábia Saudita e no Irã, onde as leis de Maomé são aplicadas de forma mais rígida. Outros cinco países muçulmanos também têm a pena de morte para esses casos. No passado, gays eram queimados. Até pareceria que o grau de crueldade na aplicação da pena diminuiu... Não fosse todo o contexto, e ainda, o fato de que qualquer psicopata pode virar justiceiro e sair matando indiscriminadamente em nome de um deus qualquer.

Um clérigo muçulmano afirmou que o único item de debate teológico não era se o homossexual deveria ser morto, mas como isso deveria ser feito. Não fez mais do que seguir o Corão, que cita o que conhecemos por Velho Testamento (sim, o mesmo livro religioso de cristãos e judeus) quando relata a história de Sodoma. Sobre a visão muçulmana, https://www.thereligionofpeace.com/pages/quran/homosexuality.aspx.

E o que pensam os cristãos? ‘Autointitular-se um autêntico cristão e permanecer um homossexual praticante é uma direta contradição do ensinamento bíblico e contrário à “vida abundante” prometida por Jesus’. (http://www.charismanews.com/opinion/39696-six-reasons-why-gays-can-t-be-christians).

O que dizem os judeus: “Nós sentimos o que sentimos. Alguns sentimentos podem ser mudados, e outros não. Algumas vezes o que sentimos é passível de mudança, e outras não. Total e inequivocamente não. E no entanto, a lei é absoluta. Mas nós temos certeza de uma coisa: sabemos que entre outros comportamentos sexuais, a lei da Torah proíbe expressamente o ato específico da homossexualidade masculina."

"Mas sabemos que a Torah proíbe a intolerância; a homofobia é proibida." (meu destaque).

"E também sabemos isso: muitas meninas e meninos judeus, mulheres e homens judeus já sofreram demais por muito tempo. E sabemos que a maior parte desse sofrimento é causada pelo ambiente em que vivem. Sabemos isso: quando nos tornamos juízes de outra pessoa, agimos contra a lei da Torah.” (http://www.chabad.org/library/article_cdo/aid/663504/jewish/Do-Homosexuals-Fit-into-the-Jewish-Community.htm).


Só lembrando: a Torah é constituída de cinco partes: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. Para quem não está familiarizado, trata-se de livros que fazem parte da Bíblia, ou Velho Testamento. Os mesmos textos que as religiões cristãs e muçulmana têm como sagrados e servem para justificar suas posições intolerantes e homofóbicas.

Então. Não vale invocar os deuses para justificar um crime. Seja assassinato em tempos de guerra ou de paz. Ou abuso sexual. Ou intolerância. Ou homofobia. Cabe ressaltar que uma atrocidade não exclui a outra. Tudo que é humano está inter-relacionado.


Desenho de Quino, o genial artista argentino (http://www.quino.com.ar/)

sexta-feira, 3 de junho de 2016

A literatura que nos faz felizes

"O espírito resiste para sempre"

A Makars' Court é um pátio contíguo ao museu dos Escritores Escoceses em Edimburgo, Escócia, ambos com acesso pelo Lady Stair's Close (close é um beco, um dos muitos espalhados pela avenida principal da cidade, a Royal Mile - mas no caso, não é um beco sem saída, e sim uma rua muito estreita que tem uma saída). 
Esse pátio é tido como um monumento literário nacional em desenvolvimento, e incorpora citações da literatura escocesa inscritas em pedras no pavimento. Há citações em línguas usadas pelos escoceses no passado e no presente, como o gaélico, o escocês, o inglês e o latim. 
A palavra 'makar' traduzida da língua escocesa quer dizer autor ou escritor, um artesão na arte da escrita, e desde 2002 a cidade designou seu próprio Makar oficial.
O close, o pátio, o museu, cada um deles tem seu interesse. Quando se passa a entrada do close e se chega ao pátio, cercado por prédios, temos uma impressão de tranquilidade, de paz. O museu guarda lembranças dos escritores mais famosos do país, Robert Burns, Walter Scott e Robert Louis Stevenson. O prédio, em si, tem seu próprio valor histórico. Foi construído em 1622, e sobreviveu à demolição graças à intervenção de um reconhecido planejador urbano no séc. 19, Patrick Geddes. E, obviamente, essa calçada da fama diferente, que em vez de guardar lembranças de estrelas de cinema, registra momentos literários. Delicioso.
"Apesar das ameaças dos tiranos, apesar da ira e dos rugidos dos Leões
Desafie-os a todos, e não tema a vitória"

"Onde estão os elos da corrente...
ligando-nos ao passado?"

O Museu dos Escritores Escoceses - Edimburgo 

O Museu 

Makar's Court: a história




Clarice: escrever é o mesmo processo do ato de sonhar: vão-se formando imagens, cores, atos, e sobretudo uma atmosfera de sonho que parece u...