sábado, 28 de fevereiro de 2009

New Book of the Dead

O Rio de Janeiro é a capital de maior proporção de população idosa do Brasil, segundo o censo de 2000. Boa parte desse povo está em Copacabana. Copa é um bairro sui generis, mistura de gêneros e matizes, e permite o exercício da observação antropológica - que, diga-se de passagem, se pratica muito bem em Paris. Privacidade pra que, se a invasão do espaço público está institucionalizada? É bem verdade que o pessoal se reúne à mesa dos bares pra beber, um de frente pro outro, gritando, enquanto que em Paris as pessoas conseguem se reunir à volta de uma mesinha minúscula, todos olhando para o exterior, observando sabe-se lá o que. Sempre achei que essa era a razão para que a filosofia tivesse prosperado lá. Enquanto que aqui o cérebro encolhe. Bien.
As mulheres são maioria. Acompanhadas ou sozinhas, aposentadas ou não, inexoravelmente caminham para a nova eternidade, cada uma a seu jeito. O mundo está preparado para elas?

Sangrando (Gonzaguinha)

Quando eu soltar a minha voz
Por favor, entenda
Que palavra por palavra
Eis aqui uma pessoa se entregando
Coração na boca, peito aberto
Vou sangrando
São as lutas dessa nossa vida
Que eu estou cantando
Quando eu abrir minha garganta
Essa força tanta
Tudo que você ouvir
Esteja certa
Que estarei vivendo
Veja o brilho dos meus olhos
E o tremor nas minhas mãos
E o meu corpo tão suado
Transbordando toda a raça e emoção
E se eu chorar
E o sal molhar o meu sorriso
Não se espante, cante
Que o teu canto é minha força pra cantar
Quando eu soltar a minha voz
Por favor, entenda
É apenas o meu jeito de dizer o que é amar
E se eu chorar
E o sal molhar o meu sorriso
Não se espante, cante
Que o teu canto é minha força pra cantar
Quando eu soltar a minha voz
Por favor, entenda
É apenas o meu jeito de dizer o que é amar

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Afonia espiritual

Estou pesquisando afonia. Um pequeno probleminha que me acomete há cerca de 2 meses. Segundo o otorrino, nada de errado com minhas cordas vocais. Há algo travado no meu peito, sinto. Daí a lembrança do poema de João Cabral, um de meus favoritos. A faca cravada no peito. O relógio tiquetaqueando, ora regular, ora disparando, ora meio zonzo. Tenho esse relógio de algibeira, que foi de um tio meu. Ele o ganhou e quando eu lhe disse que o deixasse de herança, me deu imediatamente. Minha mãe depois disse que ele ficou com medo de algum tipo de praga. será? Mas me parece que essa faca e esse relógio não deveriam estar aqui, e sim um músculo suave, bombeando sangue para o meu cérebro e fazendo com que os pensamentos ali formados se transformassem em som na minha garganta ou algo parecido. Mas... nada. Só a faca. Cravada. Vamos ao Google.

Chega-me esse texto, 'Afonia Espiritual'. Fala-me de Jesus, um de meus amados profetas, justamente em uma de suas missões de caridade. Trabalhava sem alarde. Não necessitava de propaganda, e muito menos de reconhecimento humano. Ele era o amor que não seria amado, por mais que fizesse em favor de todos quantos se Lhe acercassem.

Assevera o evangelista Mateus, que lhe trouxeram um mudo, que se encontrava dominado por um Espírito perverso, impossibilitando-o de falar.

Sofria essa afonia espiritual, em resgate necessário face aos delitos perpetrados anteriormente, quando falhara nos seus compromissos morais em existências passadas. Colhido pela austeridade da Lei, sofria a angústia da mudez. Jesus devassou aquelas duas vidas que se digladiavam na esfera espiritual, detectando o invasor daquela existência, na prepotência comprazendo-se.

Em silêncio, psiquicamente admoestou o indigitado cobrador, e expulsou-o das matrizes espirituais do seu hospedeiro. Cessada a causa do mutismo, o enfermo recobrou a voz, e pôs-se a falar com entusiasmo, enquanto as lágrimas lhe escorriam em festa pelos olhos desmesuradamente abertos. Jesus lamentou quão grande é a seara e quão poucos são os ceifeiros!

Ele sabia que todos aqueles sofrimentos eram justos, em razão dos desmandos daqueles que os padeciam. Reconhecia, porém, que os homens e mulheres se encontravam tão envolvidos pela ignorância e pelo imediatismo, que se fazia necessário um número muito grande de servidores devotados, para que fossem diminuídas as causas das aflições, através da renovação moral das massas...

Muitas vezes, acompanhamos referências bíblicas sobre a Palavra como sendo sinônimo de Deus, do Pai Criador, que elegera Jesus pelos Seus méritos para vir ter com as criaturas humanas no proscênio terrestre sombrio e triste. A palavra também constitui doação divina para que as criaturas se comuniquem, se enriqueçam, permutem experiências, contribuam em favor do progresso e da felicidade. Ela tem sido de valor inestimável através dos tempos e em todos os povos. No entanto, o seu uso indevido responde por violências, vilipêndios, calúnias, agressões e guerras... Vestida de luz, rompe a escuridão dos conflitos e abre espaços para a conquista da plenitude. Traduz a inspiração do Alto em cânticos de louvor e de glórias, imortalizando os pensamentos e as emoções.

Aquele obsidiado era mudo. Tinha as cordas vocais paralisadas sob a ação dos fluidos deletérios do seu perseguidor. Tentava comunicar-se e encontrava-se em silêncio. Jesus restituiu-lhe o verbo, e ele proclamou a glória de Deus.

Há, no entanto, multidões que falam e são mudas em relação aos valores eternos do Espírito, sem contato com Deus. Expressam os seus pensamentos, porém, emudeceram em relação à Vida, vitimadas pelo materialismo, pelas ambições desmedidas, pelo egoísmo exacerbado.

Essa mudez leva à loucura, porque desestrutura o pensamento e desarmoniza os sentimentos.

São mudos, presunçosos e abarrotados de palavras vazias, que não têm som, porquanto estão adstritas às suas paixões, sem que possam alcançar os patamares superiores da vida, transformando-se em estrelas inapagáveis nos céus de outras existências.

Jesus, porém, os aguarda pacientemente pelos caminhos sombrios por onde seguem, falantes, mas sem palavras de libertação.

Esses palradores-mudos para as questões espirituais formam verdadeiras multidões sem rumo, que um dia encontrarão Jesus, que os libertará das auto-obsessões, das obsessões produzidas por adversários inclementes que os aturdem, das desordens mentais em que estertoram.

Amélia Rodrigues

(Página originalmente psicografada pelo médium Divaldo P. Franco, em 11/07/00, em Paramirim, Bahia, http://www.mundoespirita.com.br/antigo/jornal/jornal2000/afonia_espiritual.htm) - condensada

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

De volta dessa faca,
amiga ou inimiga,
que ais condensa o homem
quanto mais o mastiga;
de volta dessa faca
de porte tão secreto
que deve ser levada
como o oculto esqueleto;
da imagem em que mais
me detive, a da lâmina,
porque é de todas elas
certamente a mais ávida;
pois de volta da faca
se sobe a outra imagem,
àquela de um relógio
picando sob a carne,
e dela àquela outra,
a primeira, a da bala,
que tem o dente grosso
porém forte a dentada
e daí à lembrança

que vestiu tais imagens

e é muito mais intensa
do que pode a linguagem,
e afinal à presença
da realidade, prima,
que gerou a lembrança
e ainda a gera, ainda,
por fim à realidade,
prima e tão violenta
que ao tentar apreendê-la
toda imagem rebenta.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Ícone: João Cabral de Melo Neto

Uma Faca Só Lâmina

ou Serventia das idéias fixas

Para Vinícius de Morais

Assim como uma bala
enterrada no corpo,
fazendo mais espesso
um dos lados do morto;
assim como uma bala
do chumbo pesado,
no músculo de um homem
pesando-o mais de um lado
qual bala que tivesse
um vivo mecanismo,
bala que possuísse
um coração ativo
igual ao de um relógio
submerso em algum corpo,
ao de um relógio vivo
e também revoltoso,
relógio que tivesse
o gume de uma faca
e toda a impiedade
de lâmina azulada;
assim como uma faca
que sem bolso ou bainha
se transformasse em parte
de vossa anatomia;
qual uma faca íntima
ou faca de uso interno,
habitando num corpo
como o próprio esqueleto
de um homem que o tivesse,
e sempre, doloroso,
de homem que se ferisse
contra seus próprios ossos.
(...)

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Ícone

Jane Austen, claro. Ícone X Iconoclastas. Nasceu em 1775, morreu em 1817. Escreveu 6 livros. Os direitos autorais não ficaram para qualquer herdeiro. Magnífica escritora. Como muitos outros talentos, não ganhou dinheiro quando viva, mas suas obras não param de render. Inclusive filhotes. Literários, cinematográficos. Alguns honestos, outros oportunistas. Alguns engraçados, outros de matar. De tristeza. Não consegui tirar da cabeça outro ícone moderno, este produzido pela mídia: Britney Spears. Simplesmente pela música que ela fez depois do escândalo da perda da guarda dos filhos, "Piece of Me".

Fico imaginando Jane, na versão zumbi de um dos livros caça-níqueis que se aproveitam dela, e perguntando a todos os pseudo-escritores, produtores, etc. etc.:
You want a piece of me?

E eu acrescentaria: Have you no shame?

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Iconoclasta[s]

iconoclasta
i.co.no.clas.ta
adj e s m+f (gr eikonoklástes) 1 Que, ou quem destrói imagens religiosas ou ídolos. 2 Que, ou quem não respeita tradições e monumentos. 3 Que, ou quem mina o crédito ou reputação alheia. 4 Que, ou quem se mostra hostil a princípios sãos ou moralistas. 5 Dir Que, ou quem procura renegar postulados da melhor política, ou que se insurge contra as bases de uma boa administração.
Michaelis (on line)


diferente
di.fe.ren.te
adj m+f (lat differente) 1 Que difere; que não é semelhante. 2 Desigual. 3 Que é diverso; dessemelhante. 4 Alterado, mudado, modificado. 5 Variado. 6 Inexato.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Lutei para te encontrar
Agora que te encontrei
Não sei o que fazer de você
Quem é você?
Você sou eu.

fev 09

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Back to Jane e sincronicidade

Descobri no Orkut (acho) um blog (http://janeaustenclub.blogspot.com/) muito legal sobre Jane Austen (sempre ela, claro), e me inscrevi para receber sua newsletter. Como a net é, literalmente, uma rede, a responsável pelo blog nos dá notícia de um livro chamado 'Pride and Prejudice and Zombies'. Whaaaat? A notícia foi dada por outro blogueiro, André (http://www.lendo.org/orgulho-preconceito-e-zumbis/#more-1576), traduzindo notícia do site Chronicle Books (http://www.chroniclebooks.com/index/main,book-info/store,books/products_id,7847/title,Pride-and-Prejudice-and-Zombies/). Quando eu estava me preparando para falar aqui da lucrativa vampirização feita em cima de Jane, Adriana, que deu a notícia inicial, continua a história dos zumbis.
Por isso pensei no conceito de sincronicidade desenvolvido por Jung. As "coincidências" da vida.
O que eu ia dizer: primeiro, ninguém herdou os direitos de publicação de Jane Austen. Daí que pode-se republicar, filmar, fazer qualquer produto a partir dos livros de Jane, e o lucro é livre.
Segundo, imagino, não é possível ter acusação de plágio.
Mau-gosto, então, nem pensar. Então, se quiserem fazer uma versão pornô do casamento de Mr. Darcy e Lizzy Bennett, that's all right.
O professor James Thompson, da Universidade de North Carolina, afirma que Austen consegue costurar o pessoal e o social num todo; que o casamento de Darcy e Elizabeth representa a união harmoniosa de homem e mulher, interior e exterior, a responsabilidade social masculina da tradição aristocrata do séc. XIX e a subjetividade e emocão feminina do romantismo. Sob este ponto de vista convencional, Austen ocupa um lugar crucial no desenvolvimento do romance - ela inaugura a grande tradição do romance inglês. (Jane Austen and Co., State University of New York Press).
O que os vampiros estão fazendo é usar o nome de Jane e escrever qualquer coisa. Por exemplo, a Amazon disponibiliza uma série de livros (cinco?) em que Jane Austen é uma detetive amadora. Qué? Bem, não dá para investigar todas as possibilidades. Se não há direitos autorais, são infinitas. O gênio da inovação morreu. Acho que o sujeito que concebeu Jane como um zumbi retornando para se vingar tinha uma justificativa. Jane teria.
Os professores que compilaram o livro acima citado tinham como objetivo divulgar Jane aos estudantes, mostrando obras em que ela figurava como inspiração. Ainda não terminei. Mas encomendei o livro que inspirou a série Lost in Austen. Sou viciada, fazer o que? E acho que ainda tenho coisa comprada em Bath. Tenho assunto ainda. Mesmo que ninguém leia, eu me divirto. Continuo achando que é melhor que ver BBB.
PS: Histórias de vampiros são mais divertidas do que essas sequencias sequeladas.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Sonho X Realidade

Semi-acordei com Nara Leão e Chico Buarque cantando no meu cérebro e depois de todo o ritual necessário para botar os pés na rua com 1 tonelada de bolsas, meus ouvidos registram os tiros. Habituais, mas sempre chocantes. E, pela primeira vez, ouvidos da rua - o comum é ouvi-los da relativa proteção de casa. É a realidade. Aos tiros, segue-se o helicóptero. Detalhe: são 9 h da manhã. O pássaro negro paira sobre nossas cabeças, rodopia, se apossando do espaço - também, como de hábito, indo e voltando, como o predador em busca de sua presa. As ruas não estão cheias - é um bairro predominantemente residencial - mas todos param, as pessoas saem às janelas, entre fascinadas e amedrontadas.
Mas a vida continua. A canção que Nara entoava se perdeu no semi-sonho. A realidade é mais dura, mas eu estou viva. Pelo menos.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Nobody cares

Que passe para trás
quem se achava na frente,
que passe para a frente
quem estava lá atrás,
que os doidos, apaixonados,
sujeitos mal-comportados,
encaminhem novas proposições,
que sejam postas de lado
as proposições antigas,
que o homem busque prazer
em toda parte, exceto nele próprio,
que a mulher busque a felicidade
em toda parte, exceto nela própria.

Reversair
Walt Whitman

A gente resolve criar um blog ou porque acha que tem algo a dizer ou porque é pretensiosa (achando que tem algo a dizer e que isso é importante o suficiente para alguém ler - é a mesma coisa que ter algo a dizer e achar que o outro tem de ouvir... nada como ficar afônica e perceber que poucos se importam ou ninguém se importa... as pessoas só acham estranho... algo assim como ter uma disability, ser diferente num mundo de iguais...). Nesse caso, é sempre bom resgatar nos guardados um texto de Walt Whitman, ainda que traduzido. Não tenho a menor idéia de onde saiu, é um recorte solto, estava perdido em meio às dúzias de papéis que volta e meia eu arrumo e rearrumo me prometendo jogar fora, já que metade está mofada, e só serve parar piorar minha alergia. Mas resistir quem há de? Não sei de quem é a tradução, mas o prazer é sempre o mesmo. É como um spa para a alma machucada, desencantada. Um pouco de pó de pirlimpimpim. Nem deu pra prestar atenção na primeira entrevista do Obama. Tão elegante, tão articulado. Dá até gosto.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Funeral Blues

Stop all the clocks, cut off the telephone,
Prevent the dog from barking with a juicy bone,
Silence the pianos and with muffled drum
Bring out the coffin, let the mourners come.

Let aeroplanes circle moaning overhead
Scribbling on the sky the message He Is Dead.
Put crêpe bows round the white necks of the public doves,
Let the traffic policemen wear black cotton gloves.

He was my North, my South, my East and West,
My working week and my Sunday rest,
My noon, my midnight, my talk, my song;
I thought that love would last for ever: I was wrong.

The stars are not wanted now: put out every one;
Pack up the moon and dismantle the sun;
Pour away the ocean and sweep up the wood;
For nothing now can ever come to any good.

W.H. Auden - Poemas - Companhia das Letras


Clarice: escrever é o mesmo processo do ato de sonhar: vão-se formando imagens, cores, atos, e sobretudo uma atmosfera de sonho que parece u...