sábado, 17 de maio de 2008

A morte

Não é para ser uma coisa mórbida. É só o registro da morte de minha mãe. Claro que o q eu acabei de escrever ñ faz o menor sentido. Pois mórbido vem de morte. Mas tenho de escrever.
Ou não? Deixando de lado a pretensão de um blog sem leitores, direi q minha mãe era uma figura controvertida. Julgamentos ñ serão feitos agora, e de preferência, não mais. Momento presente, dizem os budistas. Mas é impossível ñ lembrarmos de outra morte, a de meu pai, repentina, inesperada, diferente desta, da minha mãe, esperada e até desejada, pelo tamanho do sofrimento dela. Medo à parte, q, aparentemente, ñ livra a cara de ninguém, além de o Alzheimer já ter levado o cérebro dela há bom tempo, agora era o resto do corpo q se deteriorava. Papai, até o momento de morrer, era uma pessoa ativa e de cérebro intacto (até onde pudemos perceber e considerando-se sua idade). Chocou-nos muito. Deixou marcas indeléveis. A saudade permanece. Qual será o legado de minha mãe? Meu primo Sergio usou uma expressão q achei perfeita, relacionando-a a mamãe: striving for excellence. Ela tinha uma visão impressionante para alguém de sua idade e cultura. Falei hoje para minha filha q ela era um espírito inteligente em um corpo limitado. Talvez esse tenha sido exatamente o seu carma: ñ poder exercer sua inteligência em sua plenitude - por conta de um espírito conturbado, com assuntos não resolvidos. Daí derivando nossos inúmeros conflitos, com direito a continuação em minha filha. A grande pergunta: teriam ficado para trás? Espero q sim. Ñ me interessa uma outra vida de conflitos.
A morte é um tema de reflexão constante: basta estar vivo para pensar nela. Quando se perde alguém muito importante (estou falando do micromundo de cada um), é um tornado de pensamentos q inicialmente nos tira do chão. Sobrevivemos, mas sempre ficam seqüelas. Foi assim com Déa, com papai, e ñ poderia ser diferente com mamãe. Mas os sentimentos são diversos. Vamos ver com o tempo.
Enquanto elaborava isto aqui, abri um e-mail q tinha um arquivo em ppt chamado 'Caminos', e ilustrado com fotos de caminhos e outras na mesma linha. A música era The Long and Winding Road, dos Beatles. A sincronicidade está na letra e nas fotos. As fotos me fazem lembrar o painel q Déa mandou fazer para sua parede, em q havia um caminho. A idéia era visualizar um caminho, a continuidd, a possibilidd de continuar caminhando, vencendo a doença. A doença venceu. A música me remete ao abandono, à solidão, à saudade. Q é a sensação de quem fica.
Many times I've been alone, and many times I've cried, anyway you'll never know,
the many ways I've tried... O q me faz lembrar a história do pescoço, mas fica para outra vez.

The long and winding road
That leads to your door
Will never disappear
I've seen that road before
It always leads me here
Lead me to your door

The wild and windy night
That the rain washed away
Has left a pool of tears
Crying for the day
Why leave me standing here
Let me know the way

Many times I've been alone
And many times I've cried
Anyway you'll never know
The many ways I've tried

But still they lead me back
To the long winding road
You left me standing here
A long long time ago
Don't leave me waiting here
Lead me to your door

Um comentário:

  1. Acho que nunca, em toda a minha vida, li um texto tão belo e tão comovente sobre a morte. Ainda vindo de alguém que está dentro do centro da dor e tb do alívio. Seu nível de compreensão é altíssimo, quando diz que até desejaram a morte dela, devido seu estado de sofrimento. Isso é para poucos. A maioria de nós é egoísta demais para conseguir se colocar no lugar da dor do outro. Achei curioso tb o lance sobre o nível de cultura e sabedoria para um corpo limitado. Isso me lembrou minha mãe. Uma mulher tão sábia, numa mente limitada pela pouca escolaridade e o corpo já sendo vencido pela idade. Achei belo tb vc dizer q os conflitos estenderam-se na sua relação com sua filha. Não sei imaginar relações tão próximas quanto as de mãe e filho sem conflitos. Mas é primoroso vc dizer que não deseja ver isso nas suas próximas. Vc exerceu o aprendizado. A observação de ver o que estava certo e errado em sua relação com sua mãe e a sabedoria de fazer diferente em suas outras relações.
    Estou com lágrimas nos olhos. Obrigada por ter caído na minha rede.
    Fique em paz. Ela deve estar cheia de orgulho da filha que tem

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