quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Outras fotografias

Sou a pessoa mais ignorante do planeta. Entro num museu e às vezes não tenho ideia do que estou vendo. Não sei descrever estilos de pintura, ou as particularidades desse ou daquele artista. Olho e gosto por algum motivo, mas se não registrar quem é o autor da obra, fica por isso mesmo, no visual. Não sei se vou mudar isso, se vou passar a ler biografias ou estudar os estilos de cada um, os movimentos artísticos e suas manifestações, ou se vou continuar preguiçosa, fotografando e depois pesquisando no Google/Wikipedia. Tanta coisa pra ler, tanta coisa pra aprender... 

Mas minha abismal ignorância é diretamente proporcional ao imenso prazer que tenho em visitar museus e descobrir o que me atrai, mesmo sem saber o porquê. O mundo é grande e cabe no breve espaço de uma tela. Haja museus.

Sigo a multidão. E chego a 'Guernica', exposta no museu Reina Sofia, em Madri. Talvez uma das obras mais famosas do famoso Picasso. No limite dos meus desconhecimentos, sei um mínimo sobre o pintor e essa obra em especial. Não entendo muito do cubismo, esse movimento artístico que tem Picasso como um de seus expoentes, nem sou exatamente apreciadora de todas as obras dessa fase. Mas me lembro que ainda era criança e vi um documentário na então TV Educativa que me deixou absolutamente fascinada. Possivelmente falava do artista, mas é certo que o que me marcou foi o desvendamento dessa obra que representa a revolta contra a guerra que fez da cidade de Guernica alvo de bombardeios nazistas alemães e fascistas italianos, a pedido do governo fascista espanhol. Mais uma tragédia na conta dos senhores da guerra.

Enquanto trabalhava no mural, Picasso disse:

"No painel no qual estou trabalhando, que deverei chamar de Guernica, e em todos os meus trabalhos recentes, claramente expresso minha repulsa à casta militar que afundou a Espanha em um mar de dor e morte." 

Após 35 dias de trabalho, ele terminou o mural em 4 de junho de 1937.

Há várias curiosidades envolvendo essa obra e o artista, mas me interessei por uma em especial. Diz-se que Picasso tinha um espírito mordaz tão expressivo quanto seu talento artístico, e um dia se viu diante de um oficial da Gestapo alemã que lhe perguntou, a respeito de Guernica: "Você fez isso?", e o artista lhe teria respondido, "Não, você fez".


Guernica, Museu Reina Sofia (Acervo/2016)

Também fico de queixo caído com detalhes de construções. Em geral prefiro-as antigas. Quanto mais, melhor, porque assim têm história pra contar. Como a Catedral de Sevilha, concluída no séc. 16, quando então se tornou a maior catedral do mundo, suplantando a Hagia Sophia, uma igreja bizantina cristã. É a terceira maior igreja do mundo e também a maior dentre as góticas. Mas por ser a única que sedia o bispado, é a maior catedral do mundo. Já foi até mesquita, durante o longo período de ocupação moura na península ibérica.



Catedral de Sevilha, Patrimônio Cultural da Humanidade (Acervo/2016)


Não vou entrar no mérito de como certas obras, como prédios ou estátuas, são produzidas. Mão-de-obra, dinheiro gasto, proveniência desses recursos e algumas homenagens questionáveis sempre haverão de me fazer refletir. 

Por exemplo, alguma vez ouvi dizer que as ruas de Ouro Preto e outras cidades coloniais tinham um calçamento chamado "pé-de-moleque" porque eram crianças escravas que as assentavam. Lenda ou não, é óbvio que escravos faziam o trabalho braçal no Brasil dessa época. Em outros países se encontrarão histórias parecidas e obras executadas com exploração maior ou menor de pessoas. Como os camponeses na Rússia do tempo dos tzares (imperadores).

Não há palavras que possam refletir o esplendor das obras de arte encontradas nos museus e prédios históricos de S. Petersburgo, na Rússia. Reflexões à parte, são deslumbrantes. O Hermitage e o palácio da imperatriz Catarina II são destaques, sim, porém há muito mais, como por exemplo, o museu Fabergé.

Antes ligava Fabergé aos ovos imperiais de Páscoa. Alguns estão no museu, hoje de propriedade particular. Outros estão espalhados pelo mundo. Além dos nove ovos criados pelo joalheiro Peter Carl Fabergé para os dois últimos tzares, há cerca de 4000 peças de ouro, prata, bronze, porcelana, e pinturas no museu. Obras requintadas, preciosas, que refletem um pedaço da história da arte do país. Mesmo que os ovos tenham se espalhado pelo mundo e coincidam com a agonia de um regime. 

O museu Fabergé fica no Palácio Shuvalov, um dos mais belos da cidade, que é linda. A coleção de ovos foi adquirida pelo bilionário Viktor Vekselberg ao magnata norte-americano Malcolm Forbes.



O ovo que não foi feito para a família imperial, mas para a Duquesa de Marlborough, em 1902 - (Acervo/2016)



Peças de outros artistas russos - Sala Branca (Acervo/2016)


Arte e dinheiro sempre estarão estreitamente vinculados, penso. Mas não preciso possuir nada disso, a mim me basta poder ir aonde as obras estiverem. Ou, se isso não for possível, contar com o Google e a Wikipedia para suprir a vontade de constatar que o ser humano é capaz de feitos extraordinários, quando quer. Por sua vez, também é capaz de destruir aquilo que outros construíram com tanto sacrifício. Desejo que o ímpeto de construir seja mais forte que o de destruir.




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