domingo, 2 de abril de 2017

No esforço permanente para arrumar, organizar, reciclar e desapegar, volta e meia revejo roupas, livros, dvds e mais as mil e quatrocentas coisas que ocupam um espaço muitas vezes não justificável. Isso se aplica também a arquivos em computador ou na nuvem. Quem tem vocação para acumuladora consegue exercitá-la em qualquer lugar e a qualquer hora. No cérebro, inclusive.

Numa dessas reorganizações, vi o livro' Como ser uma parisiense * em qualquer lugar do mundo', de Caroline de Maigret & Anne Berest, Ed. Fontanar. Uma narrativa adorável, com fotografias e desenhos atraentes, e com um tema que mexe com a cabeça de muita gente, porque Paris exerce uma influência cultural que atravessa fronteiras. Política, literatura, cinema, culinária, moda... aparentemente não há nada que não possa fazer uma ponte com a cultura francesa, ou, mais especificamente, com Paris. Ainda que indiretamente.

Por exemplo, na trilogia "Antes do Pôr-do-Sol", "Antes do Amanhecer" e "Antes da Meia-Noite", o primeiro filme capta os personagens principais, vividos pelos atores Julie Delpy e Ethan Hawke num trem, e eles vão para Viena; no segundo, passados dez anos, eles se reencontram em Paris; e no terceiro, o casal está de férias na Grécia. É a personagem feminina, francesa, que, na minha opinião, pelo menos, dá o tom e costura o fio da meada. Gosto muito do primeiro filme, porque Viena é uma cidade muito bonita, mas gosto mais ainda do segundo, que mostra a caminhada dos personagens por Paris. Imagino que minha opinião seja influenciada por minha fascinação pela França e sua bela capital. O que não é relevante aqui.

Antes de passar adiante um livro, sempre dou uma olhada nele para decidir se consigo fazê-lo, se ponho numa pilha indistinta, ou se escolho alguém específico para doá-lo. Depende do tema, do meu apego... No caso, há tanta coisa interessante no livro, do texto em si às "listas", aos temas de cada capítulo e às fotografias e ilustrações. Há até receitas. Detive-me numa lista de "Essenciais", no que se refere à aparência. Sim, o essencial é invisível aos olhos, mas o espelho nos devolve uma imagem que não conseguimos ignorar. Cheguei à conclusão de que nunca vou ser uma parisiense, mas não sofro por isso. Seguem-se alguns dos essenciais.

"A calça jeans: sempre, em qualquer lugar, com qualquer coisa. Tire-a de seu armário e a parisiense se sentirá nua." Calça jeans é realmente um coringa. Mas quanto mais velha fico, mais me lembro da infância e desejo conforto, além de praticidade, o que me faz optar pela malha. Lava-se e pronto. Uma calça preta ou em tons neutros vai com tudo.

Fortaleza de S. Pedro e S. Paulo, S. Petersburgo, acervo.

"A bolsa: não é um acessório, é sua casa, uma zona completa onde você acha tanto um trevo-de-quatro-folhas seco quanto uma conta de luz velha. E se ela é linda do lado de fora, é só para manter as aparências. E que ninguém ouse investigar o que tem dentro dela." Verdade. Cada vez que troco de bolsa é um inferno. Tento levar o mínimo para não sobrecarregar o ombro, e na troca, é um alívio, de tão leve que fica. Não demora um dia, e já está com o dobro do peso. Tudo que é indispensável pesa: carteira, cartão de crédito, cartão do metrô, higienizador para as mãos, comprimido para dor de cabeça, óculos de grau, óculos escuros, lenço de papel, livro, caneta, lápis...

"O blazer preto: aquele que dá um estilo elegante a um jeans meio sujo (o que você usa o tempo todo), aquele que você veste nos dias em que não quer fazer nenhum esforço para se vestir bem, sem que o desleixo seja evidente." Tenho de admitir que o blazer preto realmente enobrece qualquer roupa. Aliás, o blazer preto foi o único do qual não consegui me desfazer.

"As sapatilhas: devem ser o equivalente ao par de chinelos que você nunca compraria. Você não negocia entre conforto e elegância. Para você, é os dois ou nada. Audrey Hepburn nunca foi vista com um par de sandálias papete." Fato. Essa tal "papete" é uma das coisas mais feias que já vi, embora eu lhe inveje o aparente conforto. Lembro que em viagem temos de usar alguns recursos que podem não ser elegantes. Por exemplo, a bota da marca Ugg. Ou similar. Chamo-as de "ugly". São feias mesmo, mas muito confortáveis. E para quem tem de andar por distâncias infindáveis, a elegância deixa de ser o mais importante.

"O lencinho de seda: ele tem mais do que uma função. Primeiro, confere um toque de cor a uma roupa escura, sem o risco de dar um passo fora da cadência na melodia da moda. Além disso, caso chova, você pode usá-lo para cobrir a cabeça, como Romy Schneider. E, às vezes, ele também serve para assoar o nariz da sua filha quando acabam os lenços de papel." Não adianta usar pra proteger da chuva, porque, obviamente, vai ensopar junto com o resto. Mas o lenço ou uma echarpe são providenciais quando se muda de ambiente e o ar-condicionado está no nível congelador. Como alguns ônibus do Rio de Janeiro, que no verão deixam o passageiro passando mal de calor, e no inverno o matam de pneumonia. Assoar o nariz não digo, porque é meio nojento, mas descobri uma utilidade inusitada para o lenço: proteger o rosto do gás lacrimogêneo que a polícia usa e abusa para conter manifestantes populares. Por uma razão ou outra você tem de passar por um lugar que é palco de confrontos. Se puder, evite. Mas quando não dá, lenço/echarpe feito burca, só com um mínimo dos olhos à vista porque não dá pra andar na rua sem enxergar. E passe rápido.

"A blusa branca: ela é emblemática e atemporal." Indiscutível.

"O trench coat: sim, ele não te protege tanto do frio quanto a doudoune, aquele casaco acolchoado à la boneco Michelin. Mas quando vestimos uma doudoune temos a impressão de acrescentar voluntariamente pneuzinhos em volta da nossa cintura." Um dos meus sonhos de consumo, mas nunca tive coragem de fazer o investimento. E a doudoune foi a melhor compra que fiz. Sem mais.

Inverno num ferryboat para Staten Island, NYC - acervo.

"O cachecol enorme: justamente porque você não tem uma doudoune. E graças a toda essa sua mise-en-scène, você acaba ficando com frio." É... Prefiro meu casaco. Mas um cachecol às vezes vem se somar ao casaco. Quem nasce nos trópicos pode custar a se adaptar ao frio.

"Os óculos escuros básicos e enormes. Todos os dias, mesmo quando está chovendo, pois sempre há um bom motivo para usá-los: muita luminosidade, ressaca, choradeira, vontade de criar um ar de mistério." Óculos escuros são realmente imprescindíveis. Especialmente em países do hemisfério sul, muito iluminados. No final das contas, não importa o lugar, não dá pra passar sem eles.

"A blusa larga: você sempre abre um botão a mais e a deixa um pouco solta para que não fique com um ar sério demais. Em geral, você pegou emprestada do seu namorado, não devolverá nunca mais, e a usará mesmo quando, um dia, estiver nos braços de outro homem. Porque o amor passa, enquanto algumas modas persistem." Gosto muito, mas não precisa ser de namorado.

"A camisetinha simples que custa caro. A contradição guia sua vida como a liberdade guia o povo. Você aceita ceder aos modismos mais populares, mas sem abrir totalmente mão do toque de luxo. Por isso você passa horas procurando a camiseta ideal cuja malha fina e um pouco transparente criará o efeito de uma caxemira." Ahn... sou totalmente adepta da camisetinha simples, mas sem esse drama. No momento, tudo que me preocupa é não usar nada que me aperte e mostre as infames protuberâncias que adornam meu corpo. Deprimente.

A capa - acervo.

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