terça-feira, 17 de março de 2009

O MURO DA VIDA PRIVADA

"... Porque temos o apetite do escândalo, temos a raiva da destruição e o civilizado faz carnificinas morais apenas. Se todos prestam atenção malévola à vida dos outros - como uma resultante desse acúmulo de bisbilhotices perversas como expoente moral dessa derrocada do velho símbolo que separava o homem público do homem privado surge a exasperante fúria de informação, a fome feroz do noticiário, a irresponsabilidade da calúnia lida com um prazer satânico. Não acredite você que só o homem de notoriedade sofre tais coisas. Sofre talvez mais porque subiu e tem maior sensibilidade. Mas de fato todos sofrem. Espiam as repartições públicas, espiam os quartos, as salas, lugares secretos, espiam as bodegas, as casas modestas, os anônimos. A uma simples palavra os jornais fazem juízos integrais. Contam-se adultérios com os nomes por extenso das três vítimas (...). Como o homem é um animal com dois sentimentos fundamentais: o amor do lucro e o amor do gozo, as baixezas do dinheiro e os desvarios da carne são o escândalo permanente aqui, como em toda parte. Derrubado o muro da vida privada, há um sentimento de insegurança moral generalizado. Faz-se tudo às claras mesmo quando não se quer. E quando não se faça, a imaginação inventa como inventava contra Catão o antigo, que em Roma teve a tolice inútil de transformar o muro da vida privada numa casa de vidro."

Escrito em 1911 por João do Rio
Republicado pela Ed. Martins Fontes, 2006
E como diz o Eclesiastes, outro livro antiguinho, assim, de uns 5000 anos atrás, não há nada de novo sob o sol...

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