sábado, 3 de outubro de 2009

Always Jane Austen


Um ano atrás eu chegava na estação de trem de Bath, na Inglaterra, como sempre entre perdida, assustada e deslumbrada. Pois como haveria de me imaginar ali? Se eu voltasse bastante no tempo teria de dizer que jamais me vi sequer entrando em um avião. Essa era a minha (não) expectativa. Como o subúrbio carioca era uma província - ainda mais se considerando a comunicação limitada e cerceada (lembrando que democracia é fato novo por estas bandas...) - meu território eram os livros. Neles eu viajava. Talvez por isso sempre tenha me dividido entre o pragmatismo e o sonho, e tenha ido estudar literatura, para depois ir trabalhar num emprego burocrático. Haja esquizofrenia...
Na faculdade eu descobri Jane Austen, paixão que perdura. É lógico que descobri muitos outros escritores e poetas maravilhosos, mas depois de travar contato com Elizabeth Bennett & Mr. Darcy, Anne Elliott & Captain Wentworth, de analisar a prosa fluida e a crônica dos costumes da época feita por Austen, o desenho sutil dos personagens, a rendição é total. Anos depois, assistindo às produções inglesas, belas e fieis aos originais, o deslumbramento é total.
Apesar de Pride and Prejudice ser meu livro favorito, Persuasion é especialíssimo. É como se um fosse o primeiro amor - aquele que eu li primeiro, estudei na faculdade, me deslumbrou, e deixou sua marca indelével; e o outro, o último - o mais maduro, porque realmente o é. E a leitora também.
No caso de Persuasion, eu vi o filme primeiro - o que é inesquecível para mim foi a experiência de assisti-lo em NYC, num cine-arte atrás do Plaza, com um "porteiro" todo paramentado, chiquérrimo. Deslumbramento total. Saí do cinema com Déa nas nuvens, fomos andando pela Broadway em êxtase. Os atores ingleses são incomparáveis. No dia seguinte já estava comprando o livro, que tenho até hoje, lógico, que já li inúmeras vezes. A carta do Capitão Wentworth a Anne é o máximo. A ideia de Bath deve ter nascido ali.
E foi assim que eu cheguei a Bath. Jane morou ali por poucos anos. De acordo com sua biógrafa, ela não gostava da cidade. Supõe-se que porque ela saiu do seu ambiente e sua situação não era nada confortável. Mas tanto Persuasion como Northanger Abbey são ambientados ali, e nada indica qualquer amargura nas tramas. O que mostra o talento da escritora.
Saí do trem, arrastando minha mala cor-de-rosa pela rua, com a chuva caindo (como chove e venta na cidade), olhando à direita (o rio) e à esquerda (os marcos - catedral, prédios...), cada vez mais deslumbrada. Consegui chegar facilmente ao YMCA, exatamente como disseram. Era cedo, meio do dia, fui fazer o reconhecimento da cidade, andar sem rumo, e acabei chegando na porta do Jane Austen Centre.
Jane não morou ali, e na verdade, para os fãs renitentes, seria necessário ir a Chawton, onde ela realmente finalmente foi se instalar (embora tenha morrido em Winchester, e esteja lá enterrada, só foi para lá para consultar um médico, mas ela já estava fatalmente doente). Mas há fãs apaixonadas(os) em todo lugar, inclusive no Brasil (aqui recentemente foi fundada a JASBRA - Jane Austen Sociedade do Brasil, por Adriana Zardini - http://janeaustenclub.blogspot.com/), e alguns levam a cabo a tarefa de preservar a memória cultural/histórica de personalidades que, de outra forma, podem ficar perdidas no tempo. Afinal, na própria lápide de Jane ela é destacada apenas como membro da família, e não como a escritora que foi. Os próprios direitos autorais de suas obras se perderam.
A casa onde Jane morou e escreveu 3 livros pertencia a seu irmão e ficou abandonada, apodrecendo, e agora foi adquirida por uma milionária americana, Sandy Lerner, naturalmente e felizmente, apaixonada por Jane. Ela recuperou a casa e transformou-a num museu. Sonho um dia em ir lá. Não é de fácil acesso para quem anda "a pé".
Um sonho de cada vez. O coração tem de estar forte. Pois se chegando no Centro em Bath, onde sequer Jane botou os pés (só morou alguns meses na mesma rua) já foi um buá buá...
Viajar tem disso - para quem tem de atravessar um oceano, e tem mania de controle, como eu, são meses de planejamento, para viver 15 minutos de emoção. Bom, entre chegar e sair são mais de 15 minutos, mas não leva mais do que isso para se sair do estado de choque. Depois a gente se acostuma.
Se o choque não passar, eu me aplico um liscabão - como dizia Emília. Aliás, aquelas pílulas falantes da Tia Nastácia bem que me serviriam agora.

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