sábado, 16 de janeiro de 2010

Voltando um pouco

O sapato

Um dia um homem já de certa idade abordou um ônibus. Enquanto subia, um de seus sapatos escorregou para o lado de fora ... a porta se fechou e o ônibus saiu, ficando impossível recuperá-lo.

O homem tranquilamente retirou seu outro sapato e jogou-o pela janela.

Um rapaz no ônibus, vendo o que aconteceu e não podendo ajudar ao homem, perguntou:

- Notei o que o senhor fez. Por que jogou fora seu outro sapato?

O homem prontamente respondeu:

- Para que quem o encontrar seja capaz de usá-los. Provavelmente apenas alguém necessitado vai dar importância a um sapato usado, encontrado na rua. E de nada lhe adiantará apenas um pé de sapato.

O homem mostrou ao jovem que não vale a pena agarrar-se a algo simplesmente para possuí-lo e nem porque você não deseja que outro o tenha.

Perdemos coisas o tempo todo.

A perda pode nos parecer penosa e injusta inicialmente, mas a perda só acontece de modo que mudanças, na maioria das vezes positivas, possam ocorrer em nossa vida. Acumular posses não nos faz melhores, nem faz o mundo melhor.

Todos nós temos que decidir constantemente se algumas coisas devem manter seu curso em nossa vida ou se estariam melhor com outros.



Estou com essa "história" na cabeça desde que me "perdi" em Praga. Pois deixei de contar que quando tirei a luva, minha luvinha de cashmere, que comprei num posto da Oxfam em Londres no ano anterior (coisas doadas), pra me salvar do frio inesperado, fiquei tão perdida (literal e psicologicamente) que não percebi que a luva se foi. Deve ter caído por lá, em Bilá Hora. Que, parece, segundo o Google, é o nome de uma batalha histórica. Nem quero saber, guerras, guerras, fome, terremotos, mortes, aquecimento global, frio no hemisfério norte, calor no hemisfério sul, tudo extremo, todo mundo sofrendo, fico me perguntando se vale a pena sorrir diante de tanta dor, às vezes. E o tempo todo eu martelei na cabeça a história do sapato, se eu tivesse percebido teria jogado a outra luva pela janela do ônibus... pelo menos alguém poderia ter aproveitado o par. Mesmo que eu tivesse congelado na estação no dia seguinte, às 5:30 da madrugada, esperando o trem para Berlim, com uma temperatura de uns 3 graus.

Parece retórica, mas não é, pq simplesmente não há ganho. Não concorro a nada. Quando me apego a algo, assumo. O exercício do desapego não é uma coisa muito fácil - há uma tradição, que também é uma contradição: guarda-se muito e doa-se muito em minha família. Somos todos loucos, por Tutatis. Mas que belos narizes. Nem todos. =D

Divago. Também um hábito.

Era isso. Lá se foi a luvinha verde adquirida numa loja de caridade. Não serviu a ninguém, virou lixo. A que restou não tive coragem de descartar. O par que a substituiu fez um mau serviço - é de fibra sintética, e deixa os dedinhos de fora (pensei que seria bom para tirar fotos e aqueceria do mesmo jeito, bobagem, tremenda inutilidade). Quanto tempo levará até que eu tenha coragem de descartá-la ou descobrir alguma utilidade para ela? Coisa de louco.

Enquanto isso é certo que as coisas mudam constantemente, e perdas e ganhos são ilusórias se acharmos que nos definem.



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