quinta-feira, 7 de julho de 2016

Flanando em São Petersburgo

Um dos domadores de cavalos (acervo)

Em destaque na ponte Anichkov, que permite a passagem do rio Fontanka na Nevsky Prospekt, bem no centro de S. Petersburgo, estão quatro estátuas que compõem um grupo denominado 'Os domadores de cavalos', erigidas no século 19. As estátuas foram retiradas duas vezes de seus pedestais. Uma em 1941, para protegê-las de danos durante o Cerco de Leningrado, e outra em 2000, para trabalhos de restauração, antes das celebrações do tricentenário da cidade. 

Há um metrô próximo, Gostiny Dvor / Nevsky Prospekt, mas a não ser que se esteja hospedado muito longe, e eu não saberia dizer onde seria exatamente "longe", o ideal é andar a avenida Nevsky de uma ponta a outra, e simplesmente flanar. 

Flanar é um conceito que vem da língua francesa, e significa andar sem rumo. Pode parecer um pouco bizarro fazer isso quando se é turista, considerando-se que vida de viajante em geral significa fazer planos e mapear o que se quer fazer e ver nos lugares aonde se vai, quase sempre em função do tempo e orçamento disponíveis. Mas quando se chega numa cidade pela primeira vez, é preciso reservar pelo menos um par de horas para flanar. Andar, se situar, se aclimatar (especialmente quando há diferença de fusos horários), ver as pessoas... É possível também optar-se pela andança ociosa quando já se conhece um pouco a cidade que se visita, e pode-se abrir mão de passar pelos lugares óbvios, ou mais turísticos, só pra sentir. É. Mas um sentir, se possível, de todos os sentidos. 

Olhar é óbvio. Exercitar o paladar, ah, sempre que puder. Mesmo os mais enjoados acharão alguma comida local que trará uma experiência diferente. Em S. Petersburgo eu sugiro o blinis e o estrogonofe. Ouvir: começamos pela sonoridade da língua, depois, quem sabe, experimentamos a música, o teatro. Pode ser até uma transmissão de TV. Cheiros: fazem parte da vida. Até mesmo os ruins. E o tato, porque somos como crianças querendo mexer em tudo. A diferença é não somos proibidos de fazê-lo, ou pelo menos, sabemos onde e quando mexer. Ainda que não exercitemos rigorosamente esse nosso lado adulto. Como quando resolvi tocar de leve uma escultura de Picasso no Guggenheim, e levei uma bronca da guarda. Foi só a ponta de um dedo! Mas eu sei que ela estava certa. E hoje em dia, apesar da ânsia em fotografar tudo e fazer selfies, que levam algumas pessoas a comprometer a própria segurança e a integridade de uma obra de arte valiosa, posso garantir que não vou subir numa escultura pra tirar uma foto. 

Então. Flanar. A cada vez que chego numa cidade que não conheço, me sinto deslumbrada. Daí o andar sem rumo, após largar a mala no hotel e me orientar. Em S. Petersburgo, todos os caminhos levam à Nevsky Prospekt, essa avenida que é o centro de tudo, onde se verão restaurantes, lojas, shoppings, cafés, igrejas, monumentos... Tem até Pizza Hut, KFC, McDonald's... 

Nevsky Prospekt, principal rua da cidade (acervo) 

Existe a avenida em si, tem rio (ou seria mais de um?), canal, vê-se ao longe uma das coisas mais bonitas que eu já vi na minha vida, que é a Igreja do Salvador do Sangue Derramado (mas como é tempo de flanar, fica só a visão de tirar o fôlego). Encontramos um café que evoca Paris, mas também um pouco a tradicional Confeitaria Colombo, no Rio de Janeiro. 

Kupetz Eliseevs (Eliseyev Emporium) - 1902-03, Art Nouveau (acervo)

Kupetz Eliseevs: a arte e a delicadeza da pâtisserie que remetem a Paris ou a Londres

Há uma livraria com títulos e linguagem incompreensíveis, já que os caracteres da língua russa (cirílico) são diferentes dos latinos, mas também com títulos em inglês. E, claro, o primeiro livro em que bati o olho foi um de... Jane Austen. 

Jane Austen na Rússia, quem diria? (acervo)

Para uma boa flanância, não poderia ser melhor. A cidade fundada pelo czar Pedro, o Grande em 1703, e que foi capital da Rússia imperial entre 1713-1728 e 1732-1918, é realmente encantadora. Não é à toa que o centro histórico e monumentos relacionados são Patrimônio Cultural da UNESCO.

Igreja do Salvador do Sangue Derramado, no Canal Griboedov 

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