domingo, 31 de julho de 2016

Gosto de visitar igrejas

O teto sob o domo da catedral de Santo Isaac, do qual pende uma pomba branca que representa o Espírito Santo (acervo)

Há igrejas ou locais de culto em todos os lugares por onde passo. Não importa se há uma religião predominante ou se a maioria da população se declara ateia, elas continuam presentes. E se é possível visitá-las, lá estou eu. Vou pela possibilidade da pausa para reflexão, pela arquitetura, pela história e pela cultura. Presente ou passado, a religião está intrinsecamente ligada à história dos povos e dos países. 

De acordo com a tradição, a Igreja Ortodoxa Russa tem origem em uma comunidade fundada pelo apóstolo André, que pregou na Ásia Menor e na Cítia, ao longo do mar Negro, chegando até o rio Volga e Kiev, onde está hoje a catedral de Santo André. Mais tarde, a princesa Olga de Kiev se converteu ao cristianismo, e depois, seu neto, Vladimir, o Grande, decretou que o Cristianismo Bizantino seria a religião oficial de Kiev. Antigamente era assim, por decreto. Continua sendo em alguns lugares do mundo, e bem que estão tentando fazer isso por aqui e acolá. Essa fábula de estado laico...

A igreja russa tem muito mais em comum com o catolicismo romano que com as igrejas evangélicas, já que Maria tem nela um lugar especial como a Mãe de Deus. 

Outra característica é o uso de ícones (imagens sagradas). Os ícones russos são tipicamente pinturas em madeira, usualmente pequenas, mas que podem ser bem maiores em igrejas e mosteiros. Alguns eram feitos de cobre. Nas igrejas russas, a nave é separada do santuário por uma iconóstase, ou tela de ícones, uma parede com portas duplas no centro. Eles são considerados o Evangelho em pintura, e assim recebem atenção especial para garantir que a palavra seja fielmente transcrita.

A catedral de Sto. Isaac já foi a principal igreja da cidade de S. Petersburgo e a maior da Rússia. Foi construída entre 1818 e 1858 pelo arquiteto francês Auguste Montferrand, para se tornar um dos mais impressionantes marcos da capital do império. Ainda hoje, seu domo dourado domina a paisagem da cidade. Embora seja menor que a recém-renovada igreja do Sangue Derramado em Moscou, suas fachadas e interiores são mais impressionantes. O domo principal chega a 101,5 m e é folhado com puro ouro.

Lateral da catedral, com destaque para a fachada e o domo (acervo)

A igreja é dedicada a Sto. Isaac da Dalmácia, um santo patrono de Pedro, o Grande, nascido no dia da festa do santo. Essa é a quarta igreja a ser construída no local.

Primeira igreja (Wikimedia Commons, domínio público)
https://en.wikipedia.org/wiki/File:First_St._Isaac%27s_church.jpg


As fachadas são decoradas com esculturas e colunas imensas (feitas com peças inteiras de granito vermelho), enquanto o interior é decorado com ícones em mosaico, pinturas e colunas feitas de malaquita e lápis lazúli. Uma grande janela de vitrais coloridos representando o Cristo Ressuscitado se destaca no altar principal.

A igreja desenhada para acomodar 14 mil fiéis (sempre em pé) foi fechada no início dos anos 1930, e reaberta como museu. Atualmente, serviços religiosos acontecem somente em ocasiões especiais (http://www.saint-petersburg.com/cathedrals/st-isaacs-cathedral/).

A iconóstase, decorada com colunas de malaquita e lápis-lazúli. Ao fundo, o vitral com a imagem do Cristo (acervo)

Iconóstase de uma das capelas laterais (acervo)


Natividade da Virgem, afresco (acervo)


O ícone milagroso da Mãe de Deus de Tikhvin (acervo)


Já mencionei a importância dos ícones. Eles são considerados milagrosos quando "aparecem" em algum lugar. É o caso dessa imagem da mãe de Jesus, chamada Theotokos (aquela que carregou a divindade no ventre). Acontece que a autoria do ícone original de Tikhvin é atribuída a S. Lucas, o evangelista. Em 1383, setenta anos antes da queda do império bizantino, pescadores do lago Ladoga, no principado de Novgorod, Rússia, avistaram o ícone sobre o lago, cercado por uma luz radiante. Um manuscrito russo do século 16 relata que foi a própria Theotokos quem desejava que seu ícone fosse retirado de Constantinopla, onde estava desde o século 5. 

Daí em diante, passou por uma série de peripécias, até chegar à cidade de Tikhvin, a cerca de 200 km de S. Petersburgo, onde foram construídos um mosteiro e uma igreja de pedra em 1560 para abrigar a imagem. E mais milagres se atribuem ao ícone: salvação de um ataque da Suécia, em guerra com a Rússia; incêndios; e até sua preservação diante da Revolução Bolchevique. Aí na Segunda Guerra Mundial, o exército alemão passou a mão no ícone, que foi parar nas mãos de um bispo, que acabou levando-o para os EUA. Finalmente, após a queda do regime comunista e com a ressurreição da Igreja Ortodoxa Russa, depois de mais de 50 anos o ícone retornou ao lar.

Ao longo dos séculos, sua fama se espalhou. Cópias começaram a adornar igrejas, e algumas delas também eram tidas como fontes de milagres. (http://oca.org/saints/lives/2013/06/26/101821-appearance-of-the-tikhvin-icon-of-the-mother-of-god)

Acho impossível deixar de ficar fascinada por essas histórias. Perco um neurônio a cada vez que um psicopata destrói um monumento histórico por alguma razão sem pé nem cabeça, como, por exemplo, o que fizeram os talibãs no Afeganistão e os loucos no Iraque e na Síria. Nem vou contar quantos neurônios perco a cada vida desperdiçada.



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