sábado, 30 de julho de 2016

Literatura e viagem

Na muralha às margens do rio Neva, a vista da ponte 

Adoro associar viagem com livros, filmes, documentários, ou artigos publicados em qualquer mídia. Conhecer algum lugar virtualmente e depois ter a oportunidade de ir lá, ou vice-versa é como se estivesse sempre viajando. É a mesma sensação de quando vejo fotos, minhas ou de outros, ou ainda quando escrevo sobre o assunto, pois sempre pesquiso muito antes e depois de viajar. Se deixo de fazer o dever de casa antes, sei que vou perder alguma coisa na compreensão do que vejo, e me arrepender depois. É tanta coisa interessante que se aprende, que não cabe numa vida, e eu não sei exatamente o que fazer dessas informações. Aproveito para escrever meu diário de bordo como prática de memória. 

Não sei quando foi a primeira vez que S. Petersburgo surgiu na minha cabeça, mas já sonhava com essa cidade há tempos, e quando recebi a proposta de ir lá, parece que foi a conclusão de uma sucessão de coincidências: quando aconteceu a Copa do Mundo no Brasil, em 2014, visitei a "Casa da Rússia", e guardei de lembrança meu crachá com a foto da cidade (que só achei agora, nem me lembrava mais disso). Depois, li um livro de ficção que tinha ali seu desfecho. 

O personagem principal

"seguia em direção aos imensos portões de ferro que conduziam aos degraus da catedral de Pedro e Paulo, os topos adornados com pontas de ouro.

Imensos candelabros de cristal dominavam o centro do espaço. Não havia bancos. Ninguém se sentava em uma igreja ortodoxa russa. Havia até um espaço livre, um remanescente da Rússia czarista. Ficava antes do altar, envolvido por um rico tecido finalizado por uma cobertura de ouro. Era onde o czar se posicionava.

Ao redor dele havia tumbas de mármore branco com cruzes de ouro, o último local de descanso dos líderes da Rússia."

Ele viu o teto 

"verde e branco sobre sua cabeça. Cada polegada da catedral era pintada ou dourada. Mas ele não estava à procura de beleza."

O objeto da busca do herói estava parado 

"na frente de uma corda de veludo olhando para o interior de uma sala.

- Este é local de descanso dos Romanov, um guia turístico dizia. - Com sorte, poderemos nos aproximar."

"Os canhões do Bastião de Naryshkin eram disparados todos os dias ao meio-dia. E todos os dias ao meio-dia os turistas gritavam e se viravam e, por um momento, tinham medo."

Dizia Jung que sincronicidade era uma coincidência significativa entre eventos psíquicos e físicos. Não sou psicanalista ou psicóloga, nem sei se é o caso ou só coincidência. Tanto faz, porque o resultado é o mesmo: fiquei intrigada, e fui à catedral conferir. 

A catedral (acervo)

A primeira coisa que chama a atenção quando se adentra o forte são, realmente, as torres douradas da igreja e do Grande Mausoléu Ducal. 

A catedral é a igreja mais antiga da cidade e o segundo edifício mais alto e foi construída entre 1712 e 1733. Está profundamente ligada a sua história e à dinastia Romanov, a segunda do país, que reinou de 1613 até a revolução russa em 1917. Ali estão enterrados todos os governantes da Rússia desde Pedro, o Grande. Já o Mausoléu foi concebido em 1896 para receber os restos mortais dos familiares que não reinaram.

Fica na fortaleza de mesmo nome, construída numa pequena ilha às margens do rio Neva. O acesso principal é pela ponte de São João (Ioannovsky), que leva ao portão de São João, também conhecido como o portão de Ivan. É possível entrar pela ponte Kronwerk, não muito distante da estação de metrô Sportivnaya.

Os candelabros (acervo)


Não há bancos... (acervo)


O espaço do czar (acervo)


As tumbas dos czares (acervo)


O teto verde e branco, com pinturas e molduras douradas (acervo)




Na capela de Santa Catarina de Alexandria, estão as tumbas de Nicolau II, família e servos


A cena mais impactante do livro se dá quando os canhões disparam. Infelizmente, não pude testemunhar o possível temor provocado por eles, pois não consegui cronometrar a visita com tal rigor. Alguma flexibilidade devemos ter em viagem, ou enlouqueceremos. De resto, tudo confere. Com a diferença de que o personagem estava num clima de suspense, e eu apenas de deslumbramento. Apesar da história trágica da família Romanov, a arte humana ainda se impõe.



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