quinta-feira, 5 de julho de 2018

Chocolate

O caminho do chocolate (foto do acervo)

Às vezes penso que a vida só fica interessante quando viajo. Nem vou especular sobre os possíveis motivos para isso. Imagino que seja pela mesma razão por que gosto de ler. O dia-a-dia é tão tedioso ou algumas vezes tão ruim que tentamos encontrar uma forma de fugir dele. Não vejo melhor forma de fazer isso que recorrendo à arte, à literatura, ou, quando possível, às viagens. A gente sabe que tem que voltar, cair na realidade, mas enquanto se transita por um mundo diferente, o resto fica em compasso de espera. Ainda estou esperando a oportunidade de testar essa outra realidade por tempo mais prolongado. Enquanto isso não ocorre (minha esperança ainda não desapareceu), aproveito as ocasiões em que me vejo diante daquilo que entendo como o melhor que os humanos podem produzir. Aprecio a beleza natural, mas sou, definitivamente, uma pessoa urbana. 

Consideremos essa invenção maravilhosa que é o chocolate, que vem lá do México, com evidências de seu uso em 1900 a.C. pelo povo Olmeca. O 'kakawa' dos Olmecas virou 'chocolatl' na linguagem dos Astecas, e daí seguiu para a língua espanhola e para o mundo. Pensamos em chocolate como as barras, trufas, a bebida quente ou gelada, mas nas origens não era assim. Mesmo hoje é difícil imaginar que aqueles pedacinhos super amargos que resultam do processamento das sementes acabem virando uma daquelas delícias que conhecemos hoje.


Chocolate: a origem (acervo)

Chocolate pode engordar, causar alergia, conter propriedades antioxidantes, quem sabe proteger o sistema cardiovascular. Tudo depende da quantidade. Fala-se em "vício". Será? Chocolate é versátil. Os maias o misturavam com pimenta e baunilha, para conter seu amargor. Era líquido e considerado afrodisíaco. Sem contar que era uma iguaria para as elites, e usado até como moeda de troca muito valiosa. Outros ingredientes foram adicionados ao 'chocolatl' ou 'xocolatl', como açúcar de cana, canela e anis, para melhor adaptá-lo ao paladar dos invasores europeus. Na Espanha, adicionou-se açúcar, ou mel, ou ainda baunilha. A baunilha vinha junto com especiarias, para acentuar seu gosto. E, aparentemente, dar dor de barriga. 

Uma receita azteca: vai uma pimentinha aí no seu chocolate? (acervo)


O chocolate ganha um adicional: o açúcar (acervo)

O chocolate conquistou a Europa. E aumentou o trabalho escravo entre o séc. 17 e o 19, já que o processamento do cacau era essencialmente manual nessa época. Desenvolveram-se processos para essa atividade, inclusive a descoberta do chocolate sólido, e vários nomes surgiram e se consolidaram nessa indústria. Infelizmente a exploração do trabalho continua. O maior produtor de cacau, a Costa do Marfim, tem milhares de crianças trabalhando na produção, e afirma-se que elas possam ser vítimas de tráfico ou escravidão. 30% das crianças com menos de 15 anos na África subsaariana são trabalhadoras, a maioria em atividades de agricultura, aí incluída a cultura do cacau. A maior parte dos grandes produtores de chocolate, como a Nestlé, compra cacau na bolsa de commodities onde o cacau marfinense é misturado com outros.

Em 2009, uma organização britânica afirmou que 12 mil crianças tinham sido traficadas em fazendas de cacau na Costa do Marfim. Essas crianças escravizadas estariam trabalhando em condições difíceis e abusivas.

Como pode algo que nos dá tanto prazer causar tanta dor? Veja em https://www.greenme.com.br/viver/especial-criancas/2469-9-multinacionais-do-chocolate-que-exploram-criancas.


Às vezes a realidade nos cutuca quando estamos à toa, flanando ou comendo um chocolate. Não vou deixar de pensar que viajar, seja como for, é uma experiência que só agrega. Eu posso (e devo), por exemplo, deixar de comprar produtos dessas marcas. É uma pequena ação, mas que se multiplicada pode fazer diferença.

Prazer é melhor com consciência (acervo)

É viajando também que nos aproximamos da história que apenas conhecíamos dos livros. Museus são uma das melhores maneiras de fazer essa ponte. Não há somente museus com obras de arte, pinturas, esculturas, etc. Há museus muito específicos, como aqueles dedicados ao chocolate. Nem sabia que existiam, mas já pude conhecer dois. Um em York, Grã-Bretanha, e outro em Paris. Ambos interessantes e que nos conduzem pela história dessa iguaria, mas o de Paris vai além, pois nos apresenta peças históricas relacionadas ao chocolate. Dentre outras, livros, cerâmicas, xícaras, descrições, e uma ótima demonstração de como fazer um bombom. Sem esquecer de abordar o aspecto social e político, ao se alinhar à Rainforest Alliance, entidade que apoia a biodiversidade e a preocupação com trabalhadores e consumidores. 

Guardar o espírito crítico é essencial, e degustar vários tipos de chocolate da melhor qualidade é divino. 







Fotos do acervo pessoal
Choco-Story - Paris 2018



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